Após período de turbulências, Sigur Rós lança ‘Átta’, e não decepciona


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Crédito: Tim Dunk

A música dos islandeses do Sigur Rós virou sinônimo de trilha sonora para paisagens idílicas e momentos de reflexão. Épica, cinemática, minimalista e inimitável são alguns dos adjetivos utilizados com frequência para evocar a estonteante combinação de uma teia orquestral com os vocais únicos e celestiais de Jón Pór “Jónsi”, por meio de arranjos que oscilam entre passagens pastorais e picos emotivos e que imediatamente associaram o nome do grupo ao gênero Post-Rock quando eles apareceram de forma surpreendente para o mundo em 1999 com seu segundo álbum, Ágaetis Byrjum.

Tentando se equilibrar entre o hype que levou o grupo a virar figurinha fácil em trilhas sonoras de filmes, séries e aberturas de programas de TV e a necessidade de manter a integridade artística e fugir do clichê ao qual imediatamente foram classificados (“música para contemplação da natureza”), a banda fez vários desvios de rota na carreira, sendo os mais conhecidos a ousadia de ( ), de 2002 – cujas músicas sem títulos reforçam ainda mais a inquietante sensação de se ouvir o canto de Jónsi em islandês ou na língua inventada por eles, o hopelandic – e a abordagem agressiva e quase opressiva de Kveikur, de 2013.

Após esse último álbum, diversos acontecimentos começaram a afetar drasticamente o grupo tanto no lado pessoal quanto no profissional. Primeiramente, a saída do pianista e arranjador Kjartan Sveinsson. Em 2018, o baterista Ágúst Evar Gunnarsson foi acusado de assédio sexual e saiu da banda, deixando-a somente com dois membros oficiais: Jónsi e o baixista Georg Hólm. E teve mais: em 2018, o grupo foi acusado de evasão fiscal pelo governo da Islândia, num doloroso processo que só foi resolvido no início de 2023. Recentemente, Jónsi ainda enfrentou o divórcio de sua companheira por 16 anos, Alex Somers.

Renascendo das trevas, e contando com o retorno de Sveinsson, a banda lançou de surpresa na semana passada o seu oitavo álbum, Átta, título que simplesmente significa “oito” como referência em sua posição na discografia do grupo. O processo de gestação foi longo, tendo início em 2018 e atravessando o período pandêmico.

Em entrevista ao The Guardian, Jónsi disse que o novo trabalho é uma busca por tranquilidade e conforto em meio ao caos, uma tentativa de abrandar os ventos turbulentos do prisma pessoal, e, ao mesmo tempo, de abordar o momento negro da história vivenciado pela humanidade com o aquecimento global e a ascensão recente de movimentos de intolerância e segregação. Não por acaso, a capa do registro apresenta um arco-íris ao fundo e uma bandeira sendo queimada em primeiro plano, alusão clara à perseguição aos LGBTQIA+ e a um mundo que queima pela ação irresponsável da raça humana.

Entre as diversas escolhas estéticas possíveis, o Sigur Rós optou por uma sonoridade intimista e delicada. O primeiro single, “Blóðberg”, veio acompanhado de um vídeo de quase 10 minutos em que a câmera flutua por uma paisagem inóspita e desoladora, e reforça de forma contundente o conceito do disco. A música é belíssima e pungente, numa combinação perfeita com o cenário do clipe.

Como que para afugentar o fantasma da saída do baterista, as músicas praticamente não contam com percussão – o que acaba reduzindo substancialmente a grandiosidade que é marca registrada do grupo. A London Symphony Orchestra, com 41 músicos, é a principal condutora das canções em interação com os vocais caracteristicamente doloridos de Jónsi. A guitarra do vocalista – tocada com um arco e que se tornou marca registrada da banda – não dá as caras de forma contundente.

Átta é um álbum plácido de 56 minutos de duração. Desdobra-se de forma lenta em músicas que quase soam como uma grande peça com suites complementares, e não deixa grandes marcas nas primeiras audições. Aos poucos, no entanto, os detalhes começam a arrebatar o ouvinte. O violão delicado que rompe no meio de “Andra”, o piano celestial de “Fall” e as vozes infantis manipuladas da faixa de abertura são alguns dos pequenos elementos surpreendentes e arrebatadores da construção sempre impecável dos islandeses.

A marca registrada continua sendo, no entanto, a voz de Jónsi e o seu uso do falsete. Pelo fato das letras serem ininteligíveis, o cantor usa seus dotes vocais para não somente conduzir melodicamente as canções, mas também para projetar texturas de sonho, sofrimento e redenção, deixando a interpretação por conta do ouvinte.

“Kietur” é a faixa que mais se aproxima do Sigur Rós em sua fase mais pop do disco Takk… (2005), enquanto “Gold” é magia pura e não deixa nada a dever aos grandes momentos pretéritos da banda.

+++ Leia a crítica de ‘As The Love Continues’, do Mogwai

Na faixa de encerramento, “8”, de quase 10 minutos, a metade final é uma peça de música ambiente que parece simular a tranquilidade almejada pelo grupo após esse período negro na vida pessoal de seus integrantes. E se alguém ainda acreditava no clichê da vida sem problemas do clipe de “Hoppipolla”, o grande “hit” do Sigur Rós – em que a banda toca na sua terra natal no meio de paisagens exuberantes e para uma plateia de famílias que exala felicidade e senso de comunidade para todo lado – a vida real tratou de quebrar isso de forma contundente. O que não quer dizer que a busca da felicidade por meio da música, que Jónsi sempre declarou ser sua grande motivação criativa, não continue a ser uma jornada importante e gratificante. E Átta acrescenta mais um importante capítulo à essa jornada de uma das bandas mais instigantes e originais que apareceram nos últimos 25 anos.

MAIS

“Blóðberg” está em nossa Playlist de 2023, carinhosamente chamada de Parabólica. OUÇA e CURTA essa e muitas outras canções de 2023 NESSE LINK.

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FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

ANO: 2023
GRAVADORA: BMG
FAIXAS: 16
DURAÇÃO: 56:37
PRODUTOR: Sigur Ros, Paul Corley
DESTAQUES: “Blóðberg”, “Andra”, “Fall”, “Gold”
PARA FÃS DE: Post-Rock, canções épicas

 

 

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