Da afinidade inicial pelos Pixies, surgiu a Amphères, trio formado por Jota Amaral (bateria e voz), Paula Martins (baixo e voz) e Thiago Santos (guitarra e voz). Embora já tocassem juntos em outros projetos, foi em 2016 que concretizaram a banda com esse nome, que a baixista Paula afirmou em outra entrevista, “vem de uma lei da física, da relação entre corrente elétrica e campo magnético, mas com umas derivações”.
Ainda em 2016, lançaram o EP homônimo, contendo cinco faixas cantadas em inglês, onde mostram um belo trabalho de estreia, com destaque para as linhas de baixo profundas e a diversidade de timbres de guitarra. Na sequencia, realizaram apresentações em sua cidade natal e na capital paulista. Do contato com outras bandas nacionais, surgiu o desejo de cantar também em português: “Nesse processo fomos descobrindo uma infinidade de bandas brasileiras incríveis, muitas delas cantando em português e produzindo um som inovador, de grande qualidade”.
“Dança” é o EP mais recente da banda, lançado no início desse ano, ele sintetiza esse processo de assimilação e mudança pelo qual a banda passou nesses dois anos que separam ambos os lançamentos. Dentre as mudanças, a presença do vocal de Paula em quase todas as cinco faixas que compõem o EP e um som mais direcionado para o rock alternativo em conexão com bandas dos anos 90, com as linhas de baixo mais inspiradas do que nunca e, mais uma vez, um admirável trabalho de guitarras que transita entre texturas, riffs, distorções e momentos melódicos. Destaque para a faixa “A Dança”, que de certa forma resume bem essa nova fase da banda.
Tentando adentrar o universo musical da banda, que busca inspiração em outras manifestações artísticas como a dança e a pintura, mandamos algumas perguntas para o trio que falou, dentre outras coisas, sobre a produção do vídeo do single “A Dança” e a produção do novo EP.
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Como foram as sessões de gravação para o novo EP?
[THIAGO] O EP foi todo captado ao vivo em um dia, mantendo bem a dinâmica original das músicas, e tivemos gravações de guitarras adicionais e vozes num segundo. Gravar no Estúdio Aurora é sempre muito bom.
O que mudou do primeiro para esse segundo EP? E na rotina de vocês no período entre eles?
[THIAGO] O primeiro EP foi gravado muito rapidamente após a criação da banda, muito se criou, se improvisou durante a gravação. Nesse segundo as músicas já estavam bem definidas (ficando até velhas, hehehe) então era uma necessidade de registrar aquilo tudo e ir em frente. A rotina acho que que não mudou muito, nem vai mudar, é sempre uma correria, mas temos conseguido tocar bastante, o que é ótimo.
[JOTA] No primeiro EP fizemos todos os processos de pré e pós produção: arranjos, captação de áudio, mixagem, incluindo a captação e edição do vídeo de “V4641”. Nesse segundo EP, além da urgência de registrar as músicas, queríamos viver a experiência de ter pessoas nos ajudando e contribuindo. A contribuição do Aécio de Souza foi fundamental para a sonoridade de “Dança”.
Por que resolveram cantar em português nesse segundo EP?
[PAULA] Foi um processo bem natural. Eu confesso que nunca ouvi muita música brasileira, sempre ouvi pós-punk, shoegaze, indie, em geral bandas inglesas e americanas. Foi inevitável que as primeiras letras tenham saído em inglês. Nesse processo fomos descobrindo uma infinidade de bandas brasileiras incríveis, muitas delas cantando em português e produzindo um som inovador, de grande qualidade e com o qual foi possível conectar de forma nova pra mim, tanto que de uma hora pra outra acabamos meio que mudando o canal. Isso aconteceu durante o processo de composição das músicas desse EP. Algumas tinham letra em inglês e logo no início quisemos mudar e funcionou a versão em português, em toda a música (“Wax”) ou boa parte (“A Dança”). “Glacial” e “2018” foram escritas em português já. A pequena letra de “Sobre 2 cm” não pode ser traduzida, não rolou, só o título! Acho que de agora em diante fica tudo em português mesmo por aqui, mas não penso que tem que ser uma norma, tem ótimas bandas brasileiras cantando em inglês e beleza, tem que ser natural acho.
Como surgem as canções da Amphères? E qual a importância das letras?
[PAULA] São diferentes processos, mas em geral acho até que pela história de como a gente formou a banda, vindos de outro projeto, querendo seguir fazendo um som e na urgência de ter novo trabalho, a maior parte das músicas nasceram de bases que levei tocadas numa guitarra bem simples (eu diria tosca mesmo!), com as letras e melodias. Daí juntos vamos compondo as linhas de cada um e viram as músicas como foram gravadas. Eu fico sempre muito feliz com o resultado, porque ao mesmo tempo que todas as intenções originais e ritmo sejam mantidas, existe uma construção incrível feita pelas composições de cada um em seu instrumento. É muito legal fazer isso junto, nos ensaios. Acho que em “2018” foi um processo parecido, mas com a base e letra do Thiago.
Pra mim as letras têm uma importância enorme de expressar algo que tenho em mente ou no coração no momento em que junto os acordes e sinto que corresponde ao que desejo expressar, mesmo que sejam metáforas ou letras muito simples. De todo modo, uma coisa importante pra mim ao escrever é o som que cada palavra facilita ou dificulta tirar.
Em “Dança”, o EP, a sensação é de junção das diversas artes: música, pintura, literatura. Há, a priori, um conceito por detrás do trabalho ou foi algo espontâneo?
[PAULA] Tem um conceito mas foi espontâneo! “Wax” nasceu de uma sensação dolorida de perceber a repetição de uma dinâmica que tem paralelo no mito de Ícaro, mas sobretudo na expressão que Matisse fez dele em seu quadro, relacionada com uma busca do ser humano por algo misterioso, grande e que atrai como o sol, mas cuja busca não pode se encerrar nas criaturas que o refletem, resultando em queda. Dessa correspondência veio o desejo de usar referências de Matisse, principalmente quando ao procurar a imagem do quadro Ícaro, por causa de “Wax”, lembrei de outro quadro dele que gosto muito, um painel enorme chamado “Dança”. Então o conceito, o usar a referência de Matisse na capa do EP, veio dessa dupla conexão!
A faixa “A Dança” tem algo de misterioso, com um andamento envolvente. Por que escolheram ela pra ser o primeiro single? E como surgiu a ideia do videoclipe?
[THIAGO] A ideia do clipe veio numa conversa pós ensaio, onde pensamos em enfatizar esse elemento da dança, inicialmente até um tango, que tem a ver com o andamento da música. Nem pensávamos na banda, era só a dança mesmo. Depois evoluiu para o que foi com a ajuda da Amanda Marx na produção, que achou aquela locação maravilhosa, e do Rodiney Assunção na direção, que colocou o olhar dele nas câmeras. A dançarina Thaïs Caniati fez aquela interpretação linda, e saiu assim.
[PAULA] A música nasceu como resposta ao impacto de ter ouvido “Present Tense”, do Radiohead, quando eles lançaram o último álbum, dada a conexão com a letra, que fala em uma dança como arma de autodefesa quando o mundo está caindo sobre sua cabeça. Felizmente, nessa música a parte instrumental veio encontrar a letra com grande precisão, nem precisou dizer muito pra expressar…. acho que daí é que vem esse algo misterioso!
Ficou bem interessante o jogo de vozes na faixa “Sobre 2 cm”, o que a banda nunca tinha feito em outra canção, é algo que pode acontecer mais vezes no futuro?
[THIAGO] Acho que sim, acho que virá naturalmente como veio em “Sobre 2cm”.
[PAULA] Eu espero que sim, acho que funcionou bem também!
Tem alguma canção predileta da banda ou cada um tem a sua?
[THIAGO] Vai mudando né? A minha era “Chrysalis”, depois virou “Wax”, depois “Glacial”, depois “A Dança”. Agora é “Porto dos Delírios”, que nem tá gravada.
[JOTA] Concordo!
[PAULA] “A Dança”! 🙂
Ouvindo o EP novo, em alguns momentos, devido as dinâmicas dos arranjos, veio à mente uma banda americana noventista chamada Come (da vocalista Thalia Zedek), não sei se vocês conhecem… Os anos 90 é a principal referência pra vocês ou apenas sobressai mais no resultado final?
[THIAGO] Acho que são referencias fortes, mas elas também vão mudando. O Deerhunter (de Atlanta!) foi uma grande influencia pra mim nos dois EP’s, mas estou certo que para os próximos já terá muito influência das bandas atuais daqui do Brasil, porque é o que tenho ouvido sem parar agora.
[PAULA] Não conhecia! Pixies, Breeders, Sonic Youth e PJ Harvey são referências 90istas mais evidentes para mim, mas tem aí camadas de pós-punk e shoegaze mais antigo de contemporâneo também, como Warpaint.
Dois mil e dezoito parece que está sendo um ano bem agitado pra vocês, o ano da dominação mundial? Ao que atribuem isso?
[JOTA] Sabemos da dificuldade de manter atuante uma banda nos moldes da Amphères. A dominação mundial nessa questão tem duas conotações. A primeira que vemos é por parte da banda, que pra nós é a representação de estar sempre tocando, criando, gravando… Imprimindo em nosso som os temas que estão ao redor, sem a pretensão de dominar, mas de trocar influências e conectar pessoas com ideais semelhantes. Posterior a isso, a dominação mundial que se pode interpretar é essa ideia de mundo que está se espalhando; muito bem conectado virtualmente e com grandes abismos interpessoais, como diz a letra de “2018”. A dominação que se pode Temer, parte de algo mais poderoso que uma banda de rock alternativo. A nós cabe apenas pesadas doses de paciência alternando alguma inconsequência.
Qual o show que vocês consideram o melhor já feito pela banda e por que?
[PAULA] Sempre vou achar que foi o último, porque possivelmente deu pra melhorar alguma coisa.
Como definiriam a música da Amphéres?
[PAULA] Acho que não gostaria de usar nenhuma outra definição além de rock alternativo!
O que vocês tem escutado atualmente, seja na seara nacional ou internacional? E saindo do lado musical, quais filmes poderiam nos recomendar?
[PAULA] Posada e o Clã, Xoô, Duda Brack, Ventre, EATNMPTD, Jennifer Lo-Fi, Ema Stoned, Miêta, Ozú, Terno Rei, Hierofante Púrpura, Raça, Luiza Lian, Sabine Holler, Bike, Os Chás entre muitos outros tem morado nas playlists do programa de rádio que faço há pouco mais de um ano, sobre música nacional, e por isso tem sobrado pouco espaço para ouvir os sons de bandas de fora, a não ser um Radiohead ou Slowdive, que sempre vão tem um lugarzinho aqui. No programa tenho recebido músicos da Baixada Santista e conheci trabalhos muito bons que tenho ouvido também: Geo, Nadal, Heitor Valim, Scuba Divers, Silvino, Sea of Leaves, o Cubo, Atlante, Nenhum Caetano, Los Volks.
[THIAGO] Ultimamente tenho visto mais séries que filmes e a “Agência de Investigações Holísticas Dirk Gently” realmente surpreendeu, por ser baseada (e não escrita por) na obra homônima do Douglas Adams e ter ficado tão boa. Falando de filmes atuais, o “Coco/Viva” é um “infantil pra adultos” que aborda o tema da música de maneira especial, incluindo os conflitos da família sem ser apelativo, assim como no “Interestelar”, do Nolan. Falando de antigos, em primeiro vem o Twin Peaks, que a trilha me influenciou bastante… gosto muito dos do Emir Kusturica (também grande músico) e vale mencionar um filme chamado “O Baile”, que consegue contar uma história só com a dança(!), sem nenhum diálogo.
[PAULA] Minhas indicações são um pouco antigas. “Afogando em Números”, do Peter Greenway; “A Igualdade é Branca”, do Kieslowski; e “Lisbon Story”, do Win Wenders. Indicaria qualquer filmes desses três diretores, adoro.
Quando não estão envolvidos com música, o que gostam de fazer?
[PAULA] Sou professora na área de nutrição e gosto bastante das atividades que faço, quando não envolvem muito o stress da vida acadêmica. Mas o que mais eu tenho curtido fazer nos últimos meses são as aulas de Yoga, que desde que descobri se tornou central nas minhas atividades! Para gravar o clip as reuniões de produção tinham que acabar antes da aula que eu não perdia de jeito nenhum.
Vocês acham que o engajamento do músico em questões sociais ou políticas pode prejudicar de alguma forma a carreira?
[THIAGO] Sem dúvida, pode prejudicar e ou até ajudar, depende de qual polo político se esteja orbitando. Mas o mundo é cada vez mais cheio de intolerâncias.
[PAULA] Acho que tem alguma coisa errada na preocupação de esconder um posicionamento para não prejudicar a carreira. Isso não quer dizer que todo mundo tenha que ter engajamento da mesma forma, de acordo com determinado modelos, tem que ter liberdade até na forma como se posicionar.
O que poderiam nos falar sobre cena alternativa de Santos?
[PAULA] Assim como em diversas cidades no Brasil, acho que a cena alternativa está em plena efervescência, tem diversas bandas com trabalhos autorais muito bons, citei algumas acima, mas certamente a lista é bem maior. Vejo que tem crescido as oportunidades de tocar, por iniciativas de pessoas, coletivo e algumas casas. Acho que a sustentabilidade dessa situação ainda é baixa, porque o público ainda é bem pequeno. Mas em comparação com alguns anos atrás acho que tem um crescimento de todo modo, nos trabalhos lançados e nas oportunidades de tocar.
Sobre os EP’s, por enquanto só mídia digital?
[PAULA] Por enquanto sim, mas no próximo trabalho, quem sabe damos esse passo.
Finalizando, a Amphères tem urgência de que?
[THIAGO] De tocar, mais tempo, mais vezes, músicas novas, em mais lugares, para mais pessoas…
[PAULA] É isso!
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