BOB DYLAN | Rough and Rowdy Ways


Bob Dylan

“Dylan em sua melhor versão, criando uma linha entre o passado e o presente para transitar no futuro”

Em novo álbum de inéditas, Dylan percorre pelos caminhos da suntuosidade e nos entrega uma obra sinfônica com o melhor de toda sua trajetória pelo universo da música Folk, Rock, Gospel e Blues. Está tudo contido em dez canções, como se fosse uma “sopa de letras” com todos os ingredientes para tornar menos doloroso esse ano de 2020.

Bob Dylan é um dos músicos mais importantes do século XX. Sua obra perpetua-se como a personificação dos grandes e marcantes acontecimentos do mundo. Suas letras poéticas, líricas, são certeiras lá naquele ponto exato da alma e do coração. Um verdadeiro trovador solitário que carrega em sua música a dor não somente sua, mas de toda uma multidão que batalha dia após dia, com a esperança de dias melhores.

Esse é o poder de sua música, nunca vamos compreende-la de verdade, é complexa e passaríamos horas, dias ou até mesmo meses tentando desvendar os segredos por trás das letras ou de cada frase dita por ele. Esse é o impacto que esse sujeito consegue causar com toda sua importância para humanidade. Desperta inúmeras sensações, emoções e desejos.

No auge dos seus 79 anos, consegue centralizar como ninguém os mistérios do universo norte americano. Um poeta, músico, e acima de tudo, humano. Canaliza seu próprio tempo e aparece quando bem entende, dando um soco na “boca do estômago”, denunciando uma série de eventos que rodeiam o mundo: quarentena, pandemia, mortes, inseguranças, incertezas, medo, cidades em chamas, movimento revolucionário nas ruas. E perante esse turbilhão de acontecimentos que o velho poeta surge com uma obra de clássicos incondicionais.

Estamos falando de Rough and Rowdy Ways, seu primeiro álbum de inéditas após longos oito anos lapidando e absorvendo a espiritualidade da humanidade para canaliza-la em um conjunto de canções que só o próprio teria a capacidade de conceder e compor com grande maestria.

O álbum capta o melhor de sua jornada e lapida discos como Tempest (2012), Oh Mercy, mergulhando no autentico e profundo Blood On The Tracks. Rough and Rowdy Ways é uma viagem por uma linha do tempo, vivenciando memorias, experiência e a arte de envelhecer com o tempo que passa num piscar de olhos.

A abertura é com a notável “I Contain Multitudes”, entregando aquela voz inconfundível que tem o dom de te deixar em silencio por minutos viajando em pensamentos. A canção soa tão presente em nossa realidade que em questão de minutos consegue nos trazer momentos de tranquilidade guiados por seu ritmo lento e vigoroso na voz de quem sabe fazer e tem o tempo ao seu favor. “Hoje, amanhã e ontem/ As flores estão morrendo como todas as coisas… Eu contenho Multidões”. É, Dylan, você realmente sabe conter multidões com seu canto!

Esse é apenas o pontapé inicial de uma viagem pelo processo criativo vindo da cabeça de quem viveu e presenciou muitas coisas pelas estradas da vida.

Em “False Prophet” – para quem estava um pouco com pé atrás em relação ao disco -, aqui se desconstrói essa ideia. A canção é a representação do melhor que o artista sabe fazer. “False Prophet” é um Blues dos bons, com a voz de Dylan emergindo como ondas no mar, e solos de guitarras com sua marca de sempre. Ele se denomina como um falso profeta do tempo que sabe dizer perfeitamente aquilo que permeia nossas mentes:”“Outro dia que não acaba/ Outro navio partindo/ Outro dia de raiva, amargura e dúvida/ Eu sei como aconteceu/ Eu vi o começo disso”. Uma canção que consegue dizer com ricos detalhes os sentimentos de dias sombrios que martelam em nossa cabeça dia após dia.

Mas se engana quem achar que a proposta do álbum é entregar singelas palavras de conforto, nada disso, Dylan como um trovador solitário que é, faz uma narrativa a sangue frio de contos que traduzem com exatidão a verdadeira doença que assola o mundo. É o seu jeito de dizer que as coisas vão muito errado por aqui

Após algumas audições, o álbum vai ganhando proporções e construções variadas, analisando seu contexto como um todo, é possível perceber a essência do Blues que vem lá das terras de Chicago, o entusiasmo e emoção absorvida da cidade de Nashville, capital do estado de Tennessee, nos EUA, onde acontece os lendários eventos da música country. É possível captar essa mistura excêntrica na empolgante e envolvente “Goodbye Jimmy Reed”, que traz elementos característicos da música de Dylan, Blues, Folk e gaitas na moda antiga, e a velha voz rouca inconfundível e incomparável do cantor.

Rough and Rowdy Ways é elegância pura. Apresenta um Dylan flexível, minucioso que vai se revelando a cada canção. Ele é mestre em criar canções no seu estilo, é o caso da balada, “Mother of Museus”, canção que faz menção a Sherman, Montgomery, Elvis Presley e Martin Luther King. Histórias de homens que revolucionaram o mundo e que apenas um contador nato consegue narrar com tamanha poesia: “Que lutaram com a dor para que o mundo fosse livre… Que fizeram o que fizeram e foram embora/ Cara, eu poderia contar a história deles o dia inteiro”, diz a letra.

As duas últimas canções que fecham o disco, “Key West (Philosopher Pirate)” e “Murder Most Foul”, sem sombra de dúvidas são o ponto alto do disco, a chave para captar a essência e o contexto da obra, e compreender sua proposta para esse tão conturbado e errado ano de 2020. Não poderia ter um desfecho melhor que esse. Dylan explora espaço e tempo como ninguém e ainda aponta a direção para o futuro.

É um disco temático e poderoso. É a melhor versão de Dylan que se consagra entregando um disco único, que só ele poderia lançar. Consegue transitar de forma magica pelos tempos difíceis que estamos atravessando, consegue trazer poesia e lirismo para um mundo que é só dor e tristeza, sem deixar de ser relevante em seu alerta de que poderíamos estar fazendo mais um pelos outros, poderíamos ser menos individualistas e preconceituosos, poderíamos ser melhores como pessoas. E isso está aí estampado em nossos olhos, mas estamos cegos em nosso próprio orgulho. Por isso, é muito mais do que um álbum de canções pop, é uma lição de vida, uma luz no fim do túnel, apontando a direção que temos que seguir.


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Rough an Rowdy Ways, capa do álbum

:: FAIXAS:
01. I Contain Multitudes
02. False Prophet
03. My Own Version of You
04. I’ve Made Up My Mind to Give Myself to You
05. Black Rider
06. Goodbye Jimmy Reed
07. Mother of Muses
08. Crossing the Rubicon
09. Key West (Philosopher Pirate)
10. Murder Most Foul

 


:: Ouça o álbum:


:: Assista ao videoclipe de “I Contain Multitudes”:

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