“Shoegaze, o último reduto da criatividade no Rock”
A imprensa musical britânica sempre conseguiu mover o mercado independente criando hypes que se sucediam, levando bandas ao estrelato e as esquecendo no minuto seguinte. Por vezes, alguns imitadores até conseguiam manter o hype por mais algumas semanas, mas invariavelmente acabavam soterrados pela moda em questão. Isso ocorreu com dezenas de subgêneros. Quem se lembra do MoRo (os chamados Neo-New Romantics)? E o Grebo, um Punk com roupagem mais suja? A New Wave of the New Wave?
Pois é, o Shoegaze, na visão da imprensa musical inglesa, era para fazer parte desse contexto, de hype para consumo imediato e esquecimento logo em seguida. Tarefa que seria muito facilitada pelo fato de ter surgido simultaneamente ao Grunge, estilo que varreu o planeta no começo dos anos 90. Porém, ao contrário do que ocorreu com os outros subgêneros citados, e apesar das adversidades externas, o Shoegaze angariou fãs. Não só fãs triviais, como fanáticos. Que não só compraram discos como montaram bandas. E não só na Inglaterra. Nos Estados Unidos, Japão (para citar os países mais relevantes) brotaram pequenos grupos e até gravadoras que não deixaram o Shoegaze esquecido.
Para a sorte dos aficionados pelos pioneiros Ride, Slowdive, My Bloody Valentine, Swevedriver e Catherine Wheel, a internet apareceu naquele momento para dar uma força – não só para o Shoegaze como para toda a indústria musical – e começaram a pipocar sites, e logo depois os blogs, como Shoegazer Alive, especializados no tema. Sem contar os programas de compartilhamento de MP3, que fez gêneros desconhecidos como o Shoegaze serem disseminados pelo mundo.
O Shoegaze se renova a cada geração. Centenas de bandas surgem todos os anos, as mais antigas estão quase todas na ativa e as plataformas de streaming não param de receber novos artistas. Bom para o blog Shoegazer Alive, que passou por problemas em seu início, por conta de que alguns artistas não entendiam como positivo o compartilhamento de música e pediam seu fechamento ao Blogger. Mas o SA sobreviveu, e agora está na sua nona encarnação, sempre divulgando artistas novos. Não só sobreviveu, expandiu seus horizontes para o campo do rádio (o programa Shoegazer Alive na rádio Internova já está em sua 113ª edição) e das redes sociais (Facebook, Instagram, Last.Fm, Twitter etc).
Toda essa introdução serve para contextualizar o Shoegaze no cenário cultural e inaugurar essa coluna, que irá indicar semanalmente artistas interessantes do gênero, com um pequeno texto e os respectivos links para ouvir os discos nas plataformas digitais.
Para começar, vamos zerar o ano e indicar os cinco melhores trabalhos de Shoegaze do primeiro trimestre de 2020, discos cheios (considerados acima de sete músicas). Os melhores EPs e também os grandes trabalhos de Dreampop no período, deixaremos para as próximas colunas. Divirtam-se!
01. GLIA | 10000 Plateaus
Glia (foto em destaque) é uma banda texana que tem uma descrição inacreditável em seu Bandcamp. Segundo eles mesmos, o quarteto, formado em Houston (TX, EUA), combina elementos de Dark Ambient, Dream Pop, Psychedelia, e Noise Rock para fazer Jangle Drone. Sinceramente, ouvi várias vezes e não encontrei nada de Dark Ambient, muito menos de Noise Rock. Citaram cinco subgêneros, mas na verdade, fazem o mais puro Shoegaze, com os vocais esparsos, guitarras altamente melódicas e cheias de efeito, como reza a cartilha assinada pelo Slowdive. É o melhor disco dos primeiros 90 dias do ano.
02. GLASS MOON RITUAL | After Glow
Vai quase na mesma linha do Glia, porém, aqui podem ser ouvidos ecos de post-rock, com alguns arranjos bem extensos. Os canadenses de Nova Scotia, liderados por Brendan Fleming, ouviram muito Slowdive e em todos os seus trabalhos sua paixão pelos ingleses é audível em cada nota.
03. ANIMAL GHOSTS | Wane
Sempre é bom esclarecer que a imensa maioria das bandas Shoegaze tem três principais influências: Ride (canções mais urgentes e estruturas musicais mais tradicionais), Slowdive (canções mais dreamy, arranjos mais melódicos e vocais etéreos) e My Bloody Valentine (maior experimentalismo e Psicodelia). Até a segunda geração do Shoegaze as bandas praticamente escolhiam um dos três caminhos para seguir, mas atualmente suas influências não são tão claras, como é o caso do Animal Ghost. Na verdade esses americanos do Oregon misturam características das três bandas, o que torna seu último trabalho, Wane, um dos mais criativos do gênero em 2020.
04. INDOOR VOICES | Animal
Mais uma banda canadense. O Indoor Voices é o alter-ego do artista Jonathan Relph, que está na ativa desde meados dos anos 00. Animal traz canções belíssimas, com os tradicionais vocais etéreos e guitarras esparsas que caracterizam o gênero, mais o diferencial de algumas músicas serem instrumentais.
05. ALEX CHILLTOWN | Eulogies
Geralmente desconfie de bandas que usam trocadilho em seus nomes. Quase sempre são artistas sem talento querendo chamar a atenção. Não é o caso, entretanto, do londrino Josh Esaw, que faz o Shoegaze mais moderno da lista (não chega a ser shoegazing, termo que designa bandas indie que usam elementos Shoegaze), com vocais mais agitados, menos efeitos de guitarra. Mas a melancolia inerente ao gênero está lá, assim como a beleza dos arranjos. Diria que é um meio-termo entre o Ride e o Slowdive atuais.
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