Adaptação da obra de Stephen King, em ‘1922’ o terror é gerado por ações humanas


Stephen King é considerado um dos mestres do terror, e não é por menos. O escritor conseguiu representar vários sentimentos em sua literatura, e sempre caracterizou fielmente a índole humana. Nos filmes baseados nas obras de King, podemos ver de tudo: a idolatria possessiva (‘Louca Obsessão’, 1990), a indiferença (‘Carrie, A Estranha’, 1976), sonho de consumo (‘Christine, O Carro Assassino’, 1983), impunidade (‘A Maldição do Cigano’, 1996).

King é daqueles criadores de histórias de terror que já se utilizavam não de monstros para nos assustar (a exemplo de Freddy e Jason), e sim, dos medos da humanidade ou mesmo dos vícios e maldades que acabam gerando consequências. Quando se valeu de outras criaturas ou de seres assustadores, a exemplo de It (1990/2017), tal recurso serviu como alegoria ou transfiguração dos medos e angústias dos personagens ali presentes.

Eleita pelo próprio escritor como a melhor adaptação de 2017 de suas histórias, 1922 entrega ao espectador um suspense angustiante que o segura até os minutos finais. Mesmo que a primeira meia hora não engrene bastante, é interessante acompanhar a carta do fazendeiro Wilfred (Thomas Jane), e tentar entender o que se seguiu na trajetória de sua família.

O diretor Zak Hilditch nos joga a par da situação da família James, sobretudo do prepotente e egocêntrico Wilfred, e deseja que o público compactue com isso, mesmo que se saiba de início as reais intenções do fazendeiro. Resta esperar o prosseguimento do plano de Wilfred. Como ele agirá depois, seus passos. Porém, da mesma forma, veremos toda uma transição na trama e a carta que o personagem deixa logo nos minutos iniciais passará a ser compreendida.

Novamente, vê-se reflexos das obras de King. O uso de animais (aqui, ratos, indicando talvez a própria sujeira que os personagens praticam), o cenário (apesar de simples) servindo de elemento fundamental para o suspense (a parte que o xerife confere a fazenda contribui bastante) e até divagações de personagens não falta (Wilfred em certo momento diz que existem dois homens num só: o normal e o calculista). A passagem do tempo também confere mais elementos sombrios à trama: no início, o tempo quente, de boas safras. Depois, um tempo gélido, combinando então com a mudança da história, o rumo da situação e as consequências que passam a agir sobre todos.

O sobrenatural e o terror surgem aqui, apesar servirem como um  castigo ao malfeitor, uma resposta à sua consciência de forma a desgastá-lo aos poucos. Uma corrosão lenta.

Duas cenas apenas dão desconforto visual: no poço e no porão. E só. Claro que o desconforto será mental, a situação trágica que pressente-se estar próxima de explodir. Não há monstros com ganchos ou facas, há toda uma reviravolta – digamos assim – da justiça que realmente deve acontecer. Engraçado que perto dos minutos finais, já esperamos por um único desfecho, porém como isso vai proceder é que nos segura. E exatamente nos instantes finais é que você pensa como o protagonista: ‘pra tudo há um jeito’.

+++ Leia a crítica de ‘Babadook’, de Jennifer Kent 

Wilfred é mais um dos personagens marcantes das histórias de King. Apesar de ser lembrado até com remorso pelo espectador, as características que o cercam servem para mostrar o cinema de terror que não precisa de monstros ou criaturas inexplicáveis. A intolerância, o machismo, a avareza e a inveja. O terror atual precisa chocar com a maldade humana e suas consequências. Ele sempre vai utilizar de metáforas, alguma maquiagem, cenário e até um pouco de sangue, mas nunca vai nos fazer perder o questionamento: isso acontece no mundo a todo instante.

 

 

 

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