Rock Alternativo e Indie Rock. Dois termos, vários significados. Eles são sinônimos? São similares? Quais as diferenças?
Não temos o intuito nessa matéria especial de resolver esses debates e responder a essas perguntas. O objetivo foi tão e somente o de elencar os álbuns e artistas mais importantes na constituição desse grande guarda-chuva que chamamos de Alternativo ou Indie, consultando 29 especialistas no assunto.
Cada um de nossos convidados provavelmente tem sua própria compreensão dos termos, e os deixamos à vontade para fazer suas escolhas. Só colocamos uma restrição: os álbuns tinham que ter sido lançados a partir de 1978 (sinto muito, fãs do Velvet Underground!). A razão para isso parte do reconhecimento de que o Punk foi a grande força motriz para o nascimento de cenas que no futuro passaram a ser
denominadas de alternativo ou indie.
Foi no Pós-Punk que a ousadia criativa liberada pelo “faça você mesmo” do Punk se cristalizou. Foi nesse período também que o “faça você mesmo” se espalhou também para a produção e distribuição com a proliferação de gravadoras independentes (origem do termo indie), que lançavam artistas que não tinham espaço nas grandes gravadoras.
Aliás, de forma simples o Rock Alternativo nos anos 1980 poderia ser definido fundamentalmente pelo que não era: mainstream.
E é por isso que quando, em 1991, o Nirvana arrebentou as portas para que a grande indústria musical absorvesse quase tudo que havia florescido no underground nos 15 anos anteriores, a terminologia virou uma bagunça.
O Alternativo poderia ser a nova corrente dominante? Ou uma nova vertente do mainstream? E indie seria um termo mais adequado naquele momento (década de 1990) para quem optou por continuar no mundo independente? Cada cabeça uma sentença, sinto dizer. Até o Grammy, símbolo máximo da grande indústria musical, logo quis responder a essas indagações criando uma categoria “música alternativa” já em 1991.
Em 2018, as “cabeças pensantes” por trás do Grammy definiram música alternativa como “um gênero de música que abraça atributos de progressão e inovação tanto na música quanto nas atitudes associadas a ela. Muitas vezes, é uma versão menos intensa do Rock ou uma versão mais intensa do Pop e normalmente é considerada mais original, eclética ou musicalmente desafiadora. Pode abranger uma variedade de subgêneros ou quaisquer híbridos dos mesmos e pode incluir gravações que não se encaixam em outras categorias de gênero”. Deu para entender? Pois é, dá pra ver que não está na grande indústria a resposta para essas perguntas, pois os caras já premiaram até o Coldplay (2 vezes!) nessa categoria!
É isso aí, temos mais perguntas do que respostas. Penso, contudo, que os resultados da nossa enquete podem ajudar a entender um pouco melhor todo esse quiproquó. Vamos a alguns números e constatações:
♦ Os álbuns mencionados têm vinculação com diversas cenas/subgêneros que compõem o cenário alternativo: College Rock, Pós-Punk clássico, Pós-Punk revival, Hardcore, Post-Hardcore, Industrial, Power-Pop. Psicodelia, Noise Rock, Shoegaze, Dream-Pop, Post-Rock, Alt-Country, Indie-Pop, Grunge e Britpop. O cardápio é vasto e saboroso, e revela uma diversidade fascinante.
♦ Entre os 20 álbuns com maior pontuação, 10 foram lançados na década de 1980. A década de 1990 marcou presença com 6 álbuns. A década de 1970 apareceu com dois representantes (cabe destacar que somente os anos de 1978 e 1979 eram elegíveis). A década de 2000 teve 2 álbuns, sendo que o disco mais novo a entrar no Top 20 foi lançado em 2002. Se depender dos nossos votantes, os grandes anos da história do Rock Alternativo foram 1989 e 1991, com 3 discos cada um.
♦ As gravadoras independentes dominaram a votação, com 15 álbuns entre os 20 primeiros. Destaque para Creation Records e 4AD (3 álbuns). Rough Trade e Factory tiveram 2 álbuns cada no top 20.
♦ No que se refere aos países de origem dos artistas, Inglaterra e EUA empataram em primeiro lugar, com 8 aparições de cada um entre os 20 melhores. A Escócia completou a lista com 4 indicações. Se juntarmos Inglaterra e Escócia no time Grã-Bretanha a disputa fica desempatada, com os britânicos derrotando os americanos por 12 a 8. Artistas brasileiros apareceram em 9 listas, mas somente 2 bandas nacionais foram votadas por mais de um jurado: Second Come e Ira!.
♦ As bandas que mais emplacaram álbuns em primeiro lugar foram Nirvana (3 vezes) e Radiohead, Pixies, Hüsker Dü, Teenage Fanclub e Joy Division: 2 vezes.
♦ Muito bem, vamos aos escolhidos, em ordem crescente de pontuação (foram atribuídos 20 pontos para o primeiro lugar, 19 para o segundo, e daí por diante).
| 1 – 5 | 6 – 10 | 11 – 15 | 16 – 20 | LISTAS INDIVIDUAIS |
15. HÜSKER DÜ | Warehouse: Songs and Stories
País: EUA
Ano: 1987
Selo: Warner
Pontuação: 72 pontos
Uma prova cabal da incrível jornada criativa do prolífico grupo de Minneapolis durante os anos 1980 é o fato de seu canto de cisne, praticamente desprezado na época, hoje ser reverenciado a ponto de ser o álbum mais votado da banda nessa enquete. O nível de tensão entre Bob Mould (vocais e guitarras) e Grant Hart (bateria) era tão alto, que eles optaram por um álbum duplo para acomodar as composições de ambos em pé de igualdade (10 músicas para cada um). O resultado é sublime, como costuma ser comum em situações de conflito. Eles foram os primeiros da geração do College radio americano a assinar com uma gravadora grande e as consequências foram desastrosas (não em termos artísticos, mas no que se refere à compatibilidade entre artista e selo), e contribuíram para a separação da banda logo depois do lançamento do álbum. Warehouse: Songs and Stories não traz nada de novo para a sonoridade do grupo. E nem precisava, pois consolida o que eles tinham de melhor: muita energia, talento descomunal para criar canções pop e uma estética suja e Lo-Fi que influenciou meio mundo!
14. COCTEAU TWINS | Treasure
País: Escócia
Ano: 1984
Selo: 4AD
Pontuação:75 pontos
Os escoceses do Cocteau Twins são tão únicos que se tornaram sinônimos de um estilo musical, o Dream Pop. Imitados à exaustão, os Twins nunca foram comercialmente bem-sucedidos, mas construíram uma trajetória exemplar durante a década de 1980 e parte da década de 1990, e que tem em Treasure um de seus pontos altos. As músicas parecem sair de um mundo a parte. As camadas vocais de Elisabeth Fraser surpreendem pela amplitude estonteante e por letras indecifráveis. Simon Raymonde (baixista) e Robin Guthrie (gênio da manipulação de guitarras) completam o time responsável por alguns
dos discos mais etereamente esquisitos da história.
13. THE CURE | Disintegration
País: Inglaterra
Ano: 1989
Selo: Fiction
Pontuação: 90 pontos
Em 1989, Robert Smith e seus companheiros de banda completavam 10 anos de uma carreira sólida, bem-sucedida comercialmente e que tendia a oscilar entre discos herméticos (Pornography, de 1982) e acessíveis (The Head on the Door, 1985). Smith se sentia ameaçado pela chegada do aniversário de 30 anos e resolveu compor canções épicas e colossais que retratassem suas aflições. Disintegration se encaixa mais fácil na categoria de álbuns herméticos da banda, mas essa não é uma classificação simples. Afinal de contas, o álbum teve hits do calibre de “Lovesong”, um presente para a noiva do compositor. O que mais impressiona, no entanto, é a coerência do registro, que se estende por 72 majestosos minutos em que predominam faixas lentas, atmosféricas, minimalistas e com introduções instrumentais gigantes. A construção impecável envolve o ouvinte de forma irresistível, nos sugando para um universo em que a tristeza e a redenção parecem ser apenas faces da mesma moeda.
12. JOY DIVISION | Unknown Pleasures
País: Inglaterra
Ano: 1979
Selo: Factory
Pontuação: 102 pontos
Tudo em Unknown pleasures é icônico. A começar pela capa de Peter Saville, uma das mais famosas da história. As músicas são retratos assustadores de uma mente perturbada, refletindo a confusão mental de Ian Curtis e sua batalha contra a depressão, o tédio da vida em família e a epilepsia. O som árido construído pela banda é o retrato perfeito e devastador de uma Inglaterra cinzenta e em crise e dos efeitos desse ambiente opressor na saúde mental. Hinos do Rock deprê como “Disorder”, Shadowplay”, “She’s Lost Control” e “Insight” marcariam para sempre a trajetória do Pós-Punk, influenciando do gótico ao industrial. E por trás disso tudo ainda tínhamos a Factory, que cresceu em torno da banda e se tornou a gravadora mais simbólica da década de 1980, seja pelas soluções artisticamente criativas de Tony Wilson e seus asseclas ou pela total desorganização em termos de planejamento e finanças (que iria cobrar seu preço mais para frente).
11. JOY DIVISION | Closer
País: Inglaterra
Ano: 1980
Selo: Factory
Pontuação: 105 pontos
Um dos álbuns mais tristes e depressivos da história da música? Com certeza. Mas isso é uma definição limitada de Closer. A produção do gênio louco Martin Hannett consegue transformar a fúria punk do quarteto de Manchester em algo estranhamente belo, em que cada instrumento tem seu espaço e o som se propaga de forma tão harmônica que suga o ouvinte para outra dimensão, da qual ele não quer mais sair. A poesia de Ian Curtis, cantada com uma angústia inigualável, o baixo melódico de Peter Hook, as guitarras nervosas de Bernard Sumner, a bateria precisa de Stephen Morris: tudo se encaixa com perfeição absoluta. Closer não tem nenhum hit e foi lançado 2 meses após o suicídio de Curtis. A capa lúgubre de Peter Saville e o conteúdo lírico não deixavam dúvidas: esse era um disco-epitáfio, assombrado pela morte e que, de forma paradoxal, exalava beleza para todo lado.