STAN LEE :: Artíficie de sonhos e fantasia (1922-2018)


“Nossa homenagem a esse grande homem e profissional que nos apresentou novos e fantásticos mundos”

Por volta dos oito anos de idade descobri um dos meus passatempos favoritos da infância: ler quadrinhos. Por muito tempo, também usei de tal artifício para que minha mãe comprasse os gibis da época, tudo em prol da minha quietude na cadeira de um consultório de dentista. Prometia não berrar ao ver a figura impassível de branco em frente à minha boca, enquanto minha mãe prometia passar nas bancas de jornais para comprar alguma revista. Lembro que as bancas, muitas pela cidade, eram abarrotadas de variedades, porém meus gibis preferidos eram os que tratavam mais de humor como Mortadelo & Salaminho, Recruta Zero e Almanaques grossos de 230 páginas da Disney. Nas aulas de Educação Artística também cheguei a esboçar alguns rabiscos de quadrinhos, mas não levei esse dom escondido adiante, um pouco por conta de obrigações da vida e de não ter recebido incentivos de outras pessoas.

Na minha escola, por incrível que pareça, a leitura de quadrinhos não era um hábito constante e comum, em parte devido a repreensão de alguns próprios educadores, alegando que quadrinhos eram impuros, não traziam cultura e não acrescentavam nada à educação do aluno. Eu lia em intervalos de aula ou durante os recreios. Se deixasse o exemplar na carteira da escola e o professor visse, adeus revista (claro que o educador devolvia ao final da aula pedindo para que a dose não se repetisse).

Um amigo, bem mais do que, tinha uma compulsão também por esses produtos impressos. Não esqueço quando ele, em certa ocasião, se trancou no banheiro da escola só para terminar uma edição. Entretanto, o universo da leitura dele englobava um monstro gigante verde, um cara que tinha navalhas nas mãos, um empresário rico que se vestia com uma forte armadura de ferro, um outro personagem que, olhem só, jogava teias de suas mãos. Não era objeto de meu interesse, ao mesmo tempo, aquilo me fascinava e ficava perguntando coisas a respeito. Universo Marvel? Considerava uma leitura pesada e o tom dos quadrinhos soava denso e agressivo pra mim (argumentos que usava, apesar de infundados e errôneos). Sabia que se pedisse alguma emprestada para ler, a resposta seria positiva, porém isso nunca foi de meu feitio.

Da mesma forma, quando chegava nas bancas, não sabia também se conseguiria encarar essa leitura nova, se estava preparado para iniciar essa empreitada de super-heróis ou mesmo de vigilantes. Poderia ser até um medo de me viciar nesse tipo de quadrinhos e ter que gastar mais do que poderia.

Por um tempo me desliguei desse hábito. Adolescência chegou, meu pai faleceu, veio a obrigação de trabalhar cedo para ajudar minha mãe em casa, muita correria. Cheguei até a vender minha coleção de gibis para comprar objetos como bicicletas e sapatos. Tudo com o coração apertado.

Aquele homem verde gigante, o homem vestido com armadura de ferro, o repórter picado pela aranha que ganha superpoderes, fui ver tudo depois pela TV, e fui lembrando de meu amigo (que o tempo acabou distanciando de mim). Então, descobri a figura de Stan Lee, pesquisando, me aprofundando. Seu universo de sonhos, seu império de criações. Para aumentar minha pesquisa, acabei trabalhando com um cara que era mais fã que meu amigo antigo de escola. Um colega de serviço que chegou a desenhar Wolverine num programa de desenho para colocar como papel de parede em sua tela de computador? Teria como o sujeito não ser fã de Stan?

Nos horários de almoço, esse colega me passou muita informação sobre o universo Marvel. Quase um retrospecto do que ele havia lido. E eu lá, imóvel, prestando atenção, mas com aquela vontade de ter voltado no tempo e de ter comprado minha primeira revista antes, quem sabe ter me corrompido – da melhor forma – neste universo. Quando só a curiosidade não basta, é preciso a interação para que, só assim, possamos debater com argumentos cada vez mais profundos e intermináveis.

Minha aproximação com Stan Lee e suas criações chegou mesmo, em definitivo, na era da internet. Com filmes, séries e redes sociais. Como creio ter chegado de muitos amigos meus de uma geração mais nova ou que não tiveram acesso a quadrinhos por conta de poder aquisitivo.

A tecnologia hiperbolizou demais alguns personagens como Hulk, que virou um gigante ainda maior. Muitos filmes esqueceram da parte humana dos heróis que Stan teve o esmero de apresentar para colocar mais adrenalina e explosões. Não importa, o estrago estava feito. Estrago nesse caso, no melhor dos sentidos, o legado. Algo imortalizado, eternizado. Influências, referências, cópias, repercussões. De uma festa infantil com temática de Homem-Aranha passando pelos jogos da Lego que trazem os heróis, impossível não perceber cada fragmento do que Stan Lee criou.

A importância de Stan não está apenas em sua capacidade artística, de ser um exímio desenhista. Vai muito além. Ao retratar suas criações, ele versa sobre outras áreas, conversa com o mundo e parece transmitir aquilo que a gente sempre quis jogar num papel, seja por forma da escrita, seja por forma de rabiscos. Nossos medos, alguns questionamentos, a própria índole humana.

Ao fazer história com seus desenhos, Stan aborda outros temas: a superação da deficiência (Demolidor), a dupla personalidade (Hulk), a mitologia como algo que atravessa gerações (Thor), o homem frágil apesar da couraça de ferro que parece sustentar (Homem de Ferro).

Trabalho na área Civil e também desenho. Meu traçado é auxiliado pelo computador e se consiste em ângulos, geometrias, escalas. Diferente do que Lee fazia. Ao saber da notícia da de sua morte (12/11), todos na firma em que trabalho ficaram bem melancólicos. Temos todos um pouco de Stan, podendo até ser uma área bem distinta de trabalho. Tipo daquele homem e profissional que soube respeitar tanto sua área de atuação como sua presença pública. Sereno, brincalhão, humilde. Um homem que pode ser considerado como um dos mais influentes do mundo sem subir num pedestal e se vangloriar disso de forma soberba.

Precisamos torcer para que a passagem de Stan tenha criado a determinação de muitos garotos novos que estão rabiscando, rascunhando, jogando no papel suas ideias por mais tolas que sejam. Assim que se fortificam novos profissionais, assim que se criam novos fabricantes de sonhos e de fantasia. A cada momento que ficarmos diante da abertura de alguma produção da Marvel, o bom e querido Stan surgirá na mente e contaremos essa bela história para nossos filhos e netos porquê esse legado precisa seguir adiante. Excelsior!

:: Mais informações sobre Stan Lee:
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