Gerhard Richter e a capa icônica de Daydream Nation


Gerhard Richter

Quinto álbum da banda novaiorquina Sonic Youth, Daydream Nation já esteve por aqui na seção Clássicos, sendo comentado sobre o panorama político e social da época e como isso teve reflexo nas composições do álbum.

Considerado por muitos a obra-prima do quarteto nova-iorquino, todo o processo de criação do disco foi um projeto audacioso de uma banda esforçada em todos os sentidos para alcançar o que pretendia; uma obra que representasse a evolução musical ao longo dos primeiros discos e que buscasse captar a energia de suas apresentações ao vivo e a vida barulhenta e caótica de uma grande cidade, simbolizada principalmente por camadas de ruídos diversos. O resultado foi um álbum duplo que se tornou um marco na discografia da banda e que teve um gigantesco impacto na música alternativa americana, inglesa e mundial.

Capa de Daydream Nation, do Sonic Youth

Se olhado pelo ponto de vista das vendas e da repercussão midiática, em comparação com “Nevermind”, do Nirvana, por exemplo, a afirmação final do parágrafo anterior poderá soar um exagero. Mas se lembrarmos a influência do Sonic Youth na música do próprio Nirvana, ela faz todo sentido. Um rastreamento dessas influências em outras formações surgidas entre o final dos anos 80 e início dos anos 90, permitirá identificar o DNA do Sonic Youth em propagação rápida e correndo nas “veias” de um enorme número de bandas, de Teenage Fanclub a Smashing Pumpkins, passando por My Bloody Valentine e chegando ao Pavement, só para citar alguns nomes.

Sem sombra de dúvidas, a trilha noise perpetrada pelo grupo reverberou e atravessou oceanos, seu eco pode ser sentido em gêneros diversos, às vezes de forma nítida, noutras bastante difusa, mas perceptível principalmente em termos de proposta de criar canções de arranjos abstratos e formatações não usuais. Ressalte-se que nem só de noise se constitui as construções do quarteto, passagens melódicas se chocam com a agonia espasmódica das guitarras, e constroem antagonismos sedutores, eternizados em sua trilogia nos anos pares de 88 a 92, finalizada em seu formato mais acessível em Dirty.

Não é por acaso que Daydream Nation (algo como nação sonâmbula) está num seleto grupo de álbuns de Rock escolhidos pela Biblioteca do Congresso Americano para fazer parte da coleção do Registro Nacional de Gravações. Sua capacidade de capturar de forma concisa o Zeitgeist norte-americano no final dos anos 80 e, de várias formas, mundial, é que o elevam a condição de mais que uma simples obra sonora ou musical, levando-o a romper barreiras.

Para emoldurar as pretensões para além de musicais do grupo, nada mais apropriado que uma obra representativa com uma imagem não menos. A escolha foi pelo trabalho do pintor alemão Gerhard Richter (1932). A vela acesa usada na capa e contracapa, chamadas respectivamente de “Kerze” (1983) e “Kerze” (1982) (a palavra significa vela em alemão, candle em inglês), faz parte de uma série de pinturas de mesmo nome. Obra na qual Richter trabalhou entre 1982 e 83, em seu ciclo de Fotorealismo.

A vela é um elemento muito recorrente na pintura pelo simbolismos, a pintura de Richter vai buscar suas referências séculos atrás. Ela remete ao quadro Madeleine Penitente, de Georges de La Tour, onde são encontradas características do estilo de pintura denominado Vanitas, gênero que utiliza elementos que evocam, dentre outras coisas, a impermanência e a inutilidade de bens e prazeres mundanos: natureza morta, relógio, crânios, espelhos, joias, garrafas vazias, velas. Há nessas obras dois princípios norteadores: o “Memento Mori” (Lembre-se da Morte) e o “Carpe Diem” (Aproveite o Dia). A vela acessa traz a luz para iluminar a escuridão, mas também é representativa da “chama da vida”; apagada, o oposto: a finitude, a morte.

Kerze-1983

Richter é autor de mais de mil obras e várias fases, com ligações ao Expressionismo Abstrato e ao Realismo, ganhando bastante destaque com o Fotorealismo, gênero que consiste em reproduzir imagens fotográficas. Sua marca é borrar a imagem usando um pincel, uma forma de desfocar o objeto.

Em 2012, “Vela” foi vendida em leilão por 12 milhões de euros. Entre as grandes obras do artista, destaca-se o vitral de 113 metros quadrados na catedral de Colônia.

A associação em Daydream Nation não para na capa, há também uma canção chamada “Candle” (I see a dog start divin’ at his magic, snatchin’/Keeps me up awake, go crystal-cracking/I can’t wait/I can’t stay, a candle). Nas letras, a banda busca acender uma luz em meio a sensação de apatia geral que se abateu sobre a nação sonâmbula.

No encarte, fazem agradecimentos ao artista alemão responsável por abrilhantar sua obra musical icônica com uma pintura também icônica e contemporânea (apenas cinco anos separam as duas obras), num dos casamentos mais perfeitos da história da música. É pena que essa relação seja comentada de forma tão breve nas resenhas a respeito do álbum, o superlativo das canções do disco explica mas não justifica esse “deslize”.

Para saber mais sobre a vida e obra de Gerhard Richter, recomendamos o seu site oficial, que é completíssimo e traz imagens de suas obras e muita informação sobre o artista alemão.


TRAILER DO FILME ‘GERHARD RICHTER PAINTING’:


ASSISTA AO TRAILER DE “CANDLE”:

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