MORRISSEY – Low in High School (2017)


“Novo álbum de Morrissey soa musicalmente interessante e liricamente confuso”

A figura de Morrissey cada vez mais tem se envolvido em polêmicas, uma busca na internet trará inúmeras nos últimos anos, incluindo a sua demissão da gravadora Capitol após o álbum “World Peace Is None of Your Business” (2014). Se na época dos Smiths seus posicionamentos se resumiam a destilar descontentamento com a política e a monarquia inglesa (“The Queen is Dead”, “Margaret On The Guillotine”) e sua defesa ferrenha dos animais (“Meat is Murder”), o Morrissey cantor solo, beirando as seis décadas, tem cada vez mais incorporado a persona de sua letra nos tempos da ex-banda, “Bigmouth Strikes Again”, o boca grande irascível de declarações até chocantes. A última, e talvez a mais revoltante até para seus fãs e não fãs, suas declarações em uma entrevista em relação às denúncias de abuso sexual envolvendo Harvey Weinstein e Kevin Spacey, que ele depois afirmou terem sido distorcidas.

Todas essas polêmicas parecem desgastar a imagem de um artista que sempre foi, para muitos, até então, modelo. Enquanto muitos artistas preferem ficar em cima do muro, Morrissey não se esquiva, fala o que pensa, ainda que seus posicionamentos por vezes caiam em contradição, abrindo espaço para questionamentos os mais diversos, incluindo aí: quem é Morrissey, afinal? É possível separar o Morrissey artista do Morrissey enquanto sujeito?

De volta à música, mais polêmica, dessa vez em relação a capa de “Low in High School”: um garoto (o filho do baixista) vestindo uma camisa com seu nome e segurando um martelo em uma mão e na outra um cartaz com a frase “Axe the Monarchy”, algo como: “Esquarteje a Monarquia”, o que gerou revolta por parte de algumas rádios, que disseram que não tocariam o álbum do cantor, e lojas, que iriam boicotar a venda do disco.

Com todo esse cenário montado, “Low in High School” não passou despercebido, ainda que Morrissey se queixe da recepção morna (em sua visão) que o álbum teve, atribuindo isso aos “haters” de plantão, por causa de suas declarações. O novo álbum angaria críticas positivas e negativas, vindas de críticos e fãs. Com a balança dos críticos pendendo mais para o segundo lado, e dos fãs, para o primeiro.

Precedendo o novo disco, em setembro Morrissey deu início a apresentação das canções do novo álbum. Em “Spent the Day in Bed” fazia uma espécie de apologia ao ócio, afirmando que passou o dia na cama e feliz, ao tempo que aconselhava as pessoas a não assistirem ao noticiário: “Pare de assistir as notícias, porque as notícias contribuem para te assustar, para fazer você se sentir pequeno e sozinho, para fazer você sentir que sua mente não é sua”, e a preocuparem-se consigo: “Seja bom consigo mesmo pelo menos uma vez”. Com ênfase numa melodia de piano elétrico, Morrissey apresentava assim uma canção musicalmente rica e de fácil assimilação, com elementos clássicos na música do cantor, principalmente o arranjo de cordas e sopros. Uma composição em parceria com o tecladista Gustavo Manzur.

Em “I Wish You Lonely”, canção composta em parceria com Boz Boorer, companheiro de banda mais longevo – apresentada em outubro -, uma letra que toca em três temas: egoísmo (“pense apenas em si mesmo”), meio ambiente (“gostaria que você se sentisse só como a última baleia jubarte rastreada e perseguida por navios baleeiros de Bergen); e idealismo/manipulação (“tumbas estão cheias de tolos que deram a sua vida sobre comando da monarquia! Oligarquia! Chefe de estado! Potentado!). Finalizando com um otimista “nunca desistindo”. Musicalmente é das mais ricas do álbum. A base é em cima de um baixo groove e bateria quase marcial, à medida que outros elementos vão se encaixando no percurso de três minutos, incluindo aí discretos elementos eletrônicos.

Essa prévia apresentava um Morrissey em forma como cantor e como letrista, mesclando o tom lírico (que sempre foi o seu forte) com temas político/sociais, o que viria se mostrar com uma mão mais pesada no novo disco. Dos doze temas, em dez, de alguma forma, o cantor aproveita para dar uma cutucada na política, na mídia ou em instituições.

Desfazendo suposições, a abertura do álbum vem com a densa e quase épica “My Love, I’d Do Anything For You”. Recheada de sopros,  riffs de guitarras sob efeito e samples diversos, caímos aqui em outra canção em que alguns sentirão a falta de elementos mais melódicos. Para quem prefere o Morrissey de arranjos com essa pegada, terão poucos momentos ao longo do caminho. Na letra, críticas à mídia, à sociedade e o estilo de vida que somos obrigados a levar e, ao mesmo tempo, uma declaração de amor apaixonada: “A sociedade é um inferno, você precisa de mim assim como eu preciso de você, oh oh oh você me conhece bem, meu amor, eu faria qualquer coisa por você”. Finalizando com uma frase que em muito traz à tona o Morrissey torturado: “Eu gostaria de ter sido apagado antes de tomar consciência da dor. Quanto mais eu desejo em meu coração por alguém, menos provável que ela venha”. A faixa surge como uma parceria com o baixista Mando Lopez.

A mudança de parceiro de composição em cada faixa faz com que tomem direções musicais distintas.

É marcante, por exemplo, o uso de elementos de teclas nas que constam o nome do tecladista Gustavo Manzur, e são quatro: na já comentada “Spent the Day in Bed”; em “In Your Lap”, uma balada essencialmente acústica ao piano, com efeitos sombrios de fundo, numa letra que exalta a queda dos ditadores e pede o conforto de um colo para deitar: “A Primavera Árabe chamou a nós todos, as pessoas ganham quando os ditadores caem. Eu ouvi um estrondo e um estalo poderoso, e eu só quero meu rosto no seu colo. As pessoas cantam quando os chefes de guerra ardem. Não se sinta triste, é simplesmente a vez deles”; “The Girl from Tel-Aviv Who Wouldn’t Kneel”, um tango com pianos bem pronunciados e viola, cuja letra critica a política americana hipócrita: “O jeito americano exibido orgulhosamente, é para mostrar muitos dentes e falar alto. E a terra chora petróleo, a terra chora petróleo. Por que você acha que todos esses conflitos servem? É só porque a terra chora petróleo”; e “Israel”, com uma abertura de sons marciais, e sua esdrúxula homenagem a um dos países mais bélicos do planeta e que são ajudados justamente pelos americanos.

Diferente da “Israel” cantada por Siouxsie no single de 1980, que fazia uma crítica e clamava de forma quase desesperada nos versos: “Pequenos órfãos na neve sem lugar algum para chamar de lar…Em Israel, eles vão cantar Feliz Natal?”. A dramática “Israel” de Morrissey, quase quarenta anos depois é uma espécie de defesa: “Eu não posso responder pelo que os exércitos fazem, Eles não são você”. O que soa contraditório quando colocada em contraste com a longa, densa e de tons dramáticos “I Bury Living” (parceria com Jesse Tobias), cuja letra pretende-se um manifesto contra a irracionalidade da guerra. Como num mesmo álbum podem conviver duas ou três canções com posições tão antagônicas? Se não for uma contradição, soa sórdido. Ainda dentro dessa discussão, pode-se colocar outra canção, “Who Will Protect Us From The Police?” (traduzindo: Quem nos Protegerá da Polícia?) e seus versos que pregam a liberdade de expresão: “Há chamas no céu esta noite, tanques na rua atacando a liberdade de expressão. Devemos pagar pelo que acreditamos”. Qual a liberdade de expressão que Morrissey afinal defende?

“All The Young People Must Fall In Love” também carrega um pouco da contradição embutida nas letras do álbum: “Gaste mais em guerra nuclear se essa é sua ilusão escolhida. Incinere homens e mulheres e crianças inocentes …Mas todas as pessoas jovens devem se apaixonar. Presidentes vêm, presidentes vão. E, oh, veja o dano que eles fazem”. Todos devem se apaixonar, ok. Mas de que forma isso vai resolver a situação criticada nos versos imediatamente anteriores? Essa soa como se estivesse tentando parecer com “All You Need is Love’, dos Beatles, até mesmo no uso dos elementos: palmas, guitarra cortante, instrumentos de sopro. No final se torna uma canção rica em diversos elementos e remete também a “Can’t Help Falling In Love”, de Elvis Presley, no modo como Morrissey entoa os versos.

As únicas canções em que Morrissey dá um refresco na sua língua afiada são em “When You Open Your Legs” (espécie de tango com elementos de faroeste), e sua letra de forte conotação sexual: “Tudo o que sei me desampara agora quando você abre suas pernas “; e “Home Is a Question Mark” (das melhores faixas do álbum), que remete a algo composto lá nos longínquos anos 90, e cujos versos são carregados de desilusão seja por não encontrar a pessoa amada ou com a indústria da música: “Eu vi muitas marés, eu abracei a terra, mas nada mais, porque eu não encontrei você. Eu tomei vinho e eu jantei com todo magnata da música falsa”.

“Jacky’s Only Happy When She’s Up On The Stage” é a faixa que muitos acreditam ser uma analogia em relação à Inglaterra e a sua saída da União Europeia. Em entrevista, Morrissey refutou essa teoria, mas a verdade é que os versos se encaixam muito bem na situação. Seria muito estranho se ele tivesse feito a letra com esse intuito e, de repente negasse. Mas não seria um disco de Morrissey se não estivesse envolto em tantas situações, no mínimo, delicadas. O que admira é a proporção que elas ganharam nesse novo álbum. A letra fala de alguém que só se sente feliz quando está no palco desde que perdeu a pessoa amada. Aí calhamos de esbarrar nos versos: ” Cena dois: Todos que vierem devem ir embora! Cena quarto: Mais escuro que nunca antes! Cena seis: Esse país está me deixando doente!”.

A produção de Joe Chiccarelli, que também produziu “World Peace Is None of Your Business” (2014), é elogiável, conseguiu tirar o melhor do que cada faixa poderia dar, enchendo de elementos ou mantendo o mínimo necessário, sem saturar ou o deixar qualquer canção minimalista ou crua. Já em relação à banda que acompanha o cantor nesse disco, resta o parceiro de longa data e guitarrista Boz Boorer, que acompanha Morrissey desde 1991, sendo o baixista Mando Lopez o mais novo, entrou em 2014. Embora a sombra do ex-guitarrista Alain White (substituído por Jesse Tobias) ainda paire sobre a memória dos fãs, e as poucas melodias presentes no disco é um dos motivos, os novos parceiros conseguem levar a música do vocalista por caminhos mais diversificados, e esse é um dos termos mais adequados para esse novo disco de Morrissey. Essa diversidade diminui em alguns aspectos a coesão como álbum, o que poderia lhe trazer de volta poderiam ser as letras, não fossem as contradições em que algumas se enroscam. Musicalmente há momentos interessantes. liricamente confuso.

NOTA: 7,5

:: FAIXAS:
01. My Love I’d Do Anything For You
02. I Wish You Lonely
03. Jacky’s Only Happy When She’s Up On The Stage
04. Home Is A Question Mark
05. Spent The Day In Bed
06. I Bury The Living
07. In Your Lap
08. The Girl From Tel-Aviv Who Wouldn’t Kneel
09. All The Young People Must Fall In Love
10. When You Open Your Legs
11. Who Will Protect Us From The Police?
12. Israel

:: Assista abaixo ao videoclip de “Jacky’s Only Happy When She’s Up on the Stage”:

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