Inclassificável, ‘Before and After Science’ mostra o Eno do passado e do futuro


Foto de Brian Eno na década de 70

O ano de 1977 foi marcante para a música, o Punk Rock chegava forte através  dos Sex Pistols (Never Mind the Bollocks), The Clash (The Clash) e The Damned (Damned, Damned, Damned). Por outro lado, o progressivo seguia em declínio com várias bandas encerrando as atividades ou entrando em hiato. No subterrâneo, as sementes do Pós-Punk/Gótico germinavam e iriam aflorar pouco tempo depois. Nos EUA, Punk, New Wave e No Wave viviam fases distintas: Ramones e Blondie lançaram seu segundo álbum, Talking Heads debutou com 77 e Television com o desconcertante Marquee Moon.

Nesse mesmo ano, Iggy e Bowie lançaram álbuns seminais de suas carreiras e da música pop, álbuns que influenciariam vindouras gerações de novos artistas: The Idiot e Heroes.

Before and After Science, quinto álbum de Eno, surge no meio de toda essa efervescência que precedia o fim da década. Marca uma ruptura na sequencia frenética de lançamentos solo que o artista seguia desde 1973 – lançando dois álbuns anualmente. Pela primeira vez o ex-Roxy Music passou dois anos maturando um álbum.

Paralelamente, Eno, que costumava se autodenominar de não-músico, estava produzindo um outro trabalho de sua autoria, Music for Films, que seria lançado em 78 – seguindo por outros caminhos musicais. Por essa mesma época, em que parecia um ser quase onipresente, ele transitava por produções (Ultravox) e parcerias diversas (Bowie, Fripp, Phil Manzanera, Cluster), que viria a se tornar uma constante em sua trajetória no mundo da música.

Se Here Come the Warm Jets (1973) foi um surpreendente sopro de ideias revigorantes na música pop e Discreet Music (1975) um disco de ruptura de paradigmas, Before and After Science é o ponto de interseção entre esses dois universos, o salto para frente e sem retorno.

Cercado por um time de músicos ligados tanto ao Krautrock quanto ao Progressivo, e que invariavelmente davam as caras em seus discos: Robert Fripp (King Krimson), Phil Collins (Genesis), Phil Manzanera (Roxy Music), Robert Wyat (Soft Machine), Jaki Liebezeit (Can), dentre outros, Eno dá vida a um álbum difícil de classificar, atraente de ouvir e considerado, em uma virtual disputa interna com o Here Come the Warm Jets, o melhor de sua carreira.

Como álbum de transição, presente e futuro se encontram, o Glam-Rock e o Art-Rock dos primeiros álbuns se apresentam nas faixas iniciais. Eno estava interessado na busca de novo ritmos, vide o suingue de “No One Receiving” e “Kurt’s Rejoinder”, buscava referências nas batidas da música africana, e o lado percussivo se sobressai nessa primeira metade; ao mesmo tempo, ele havia travado contato e se interessado pela música dos Talking Heads (que conhecera naquele ano, e viria a produzir posteriormente), fazendo uma homenagem na faixa “King’s Lead Hat”, que contem as mesmas letras do nome da banda novaiorquina. Se as canções do Lado A soam datadas, todo o Lado B soa bastante atual.

Enquanto as cinco primeiras faixas enfatizam o experimentalismo e uma maior aproximação com os trabalhos anteriores, a Ambient Music que predominou em Discreet Music (1975), surge nas faixas finais do lado B, que inicia com a bucólica “Here He Comes”, fazendo a perfeita transição para esse lado mais instrumental do futuro, expresso nas faixas “Through Hollow Lands” (uma homenagem ao tecladista Harold Budd) e na densa e melancólica “Spider and I”, passando pelo minimalismo da belíssima e reflexiva “By This River”, popularizada na trilha sonora do filme O Quarto do Filho (2001), do diretor italiano Nani Moretti.

+++ Na coluna ESSE EU TIVE EM VINL, leia sobre ‘Fear of Music’, do Talking Heads

Musicalmente Before and After Science é de uma amplitude enorme, resume de forma precisa o modo como seu autor enxergava a música, livre de conceitos e preconceitos, aberta a ideias mais variadas possíveis, preocupada mais com o resultado do que com a forma. Essa visão levaria o artista a se tornar muito requisitado nos anos vindouros por um sem número de bandas, de Slowdive a U2, de Talking Heads a James.


Capa do álbum Before and After Science, de Brian Eno

FAIXAS:

01. No One Receiving
02. Backwater
03. Kurt’s Rejoinder
04. Energy Fools The Magician
05. King’s Lead Hat
06. Here He Comes
07. Julie With…
08. By This River
09. Through Hollow Lands (For Harold Budd)
10. Spider And I

 


 

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