DEPECHE MODE – Spirit (2017)


“Apesar do clima de continuidade, Depeche Mode não decepciona e reafirma sua relevância”

Perto de completar quarenta anos de carreira o Depeche Mode demonstra que não está disposto a sentar-se na confortável poltrona do comodismo que costuma atrair muitos artistas ou, como diria Raul Seixas, “ficar com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar”.

Com uma carreira de caminhos sinuosos, o Depeche Mode faz parte do grupo de bandas que começou com uma proposta sonora que foi sendo aperfeiçoada ao longo dos discos, lapidando, aparando arestas e alargando fronteiras. Do tecnopop de batidas dançantes e melodias simples fizeram a transição gradual para os instrumentais densos e de letras sobre dor, culpa e redenção. Passaram da infância à fase adulta e chegaram à meia idade, com perdas e ganhos, quedas e resurgimento. Tornaram-se maduros, sua música é reflexo disso.

“Spirit” simboliza essa maturidade, não no arcabouço musical, já que está tão próximo do seu antecessor que mais parece uma continuação, mas nas mensagens expressas nas letras, que da forma mais direta possível alerta para uma série de problemas que recrudescem em nossa sociedade.

A sensação de que estamos retrocedendo, ao invés de seguirmos num processo evolutivo, é o tema da abertura do disco na faixa “Going Backwards”. Esse paradoxo em que nossa sociedade parece estar engasgado também é explorado de forma inteligente e contundente na série “Black Mirror”; apesar de todos os avanços tecnológicos alcançados, ainda observamos as mesmas mazelas sociais de séculos atrás e, enquanto indivíduos, continuamos arraigados a concepções ultrapassadas.

Aí a banda lança a pergunta desafiadora na faixa seguinte: “Onde está a revolução?”. A revolução tanto pode ser entendida individual quanto coletivamente. A repetição de frases serve como forma de martelar o ouvinte com o questionamento: “Where’s the Revolution, come on people you let me down”. Ambas as faixas são conduzidas por uma base percussiva e repetitiva com elementos que surgem e se vão ao longo de seus cinco minutos. À base minimalista agregam-se diversos elementos, criando certa aura de tensão e suspense. Esse minimalismo perpassa todo o álbum, estava também presente no subestimado “Delta Machine”(2013).

“The Worst Crime” e “Scum” seguem pelo mesmo caminho das letras ácidas. A primeira, quase à capela, alerta fala dos perigos de líderes populistas e sobre os julgamentos precipitados, e como podem conduzir a condenações injustas, levando-se a cometer “o pior crime”. “Scum” é uma crítica à superficialidade, às pessoas sem conteúdo, vazias por dentro, egoístas. O instrumental e letra são bem repetitivos. “Poor Man” também segue enfiando o dedo na ferida ao criticar as corporações e a forma como controlam nossas vidas. Embora nem todas as letras de “Spirit” mantenham o teor político, ele parece ter sido concebido com essa aura de tensão pairando sobre os pensamentos de Martin e Dave.

Sobre o título do álbum, em entrevista Dave definiu as intenções: “Queremos estimular o pensamento. E, para isso, levantamos várias questões. A mais importante é: Onde está o espírito de união? É essencial pensarmos sobre isto, porque hoje vivemos num mundo que potencia a separação”.

A saída do Reino Unido da União Européia pode ser um exemplo dessa falta de união citada pelo vocalista.

“You Move” explora a ideia da sensualidade: “Eu gosto da maneira que você se move, gosto da maneira que você se move esta noite”. “Cover me” é um pedido de ajuda: “Proteja me”. “Eternal” é outra faixa à capela, mas com uma declaração de amor intensa, lembrando “Somebody”: ” Você é a minha eterna, amor eterno”. Em “Poison Heart” utilizam andamento de blues e riffs de guitarra. Os momentos densos, beirando um álbum sombrio, cede espaço para uma levada dançante que pode fazer sucesso nas pistas em “So Much Love”. Embora não seja suficiente para tirar a característica soturna que permeia todo o álbum, cuja produção a cargo de James Ford (Simian Mobile Disco) ressalta os sons mais graves a todo instante, com as batidas da bateria bastante secas.

“Spirit” fecha com “Fail”, outra faixa de letra pesada e frases de alerta bem pessimistas: “Nossas almas são corruptas. Nossas mentes estão bagunçadas. Nossas consciências, falidas. Oh, estamos fodidos… É inútil até mesmo começar a ter esperança. Que a justiça vai prevalecer. Que a verdade vai derrubar as escalas”.

Fãs saudosos podem até reclamar que a banda poderia tentar reeditar algo nos moldes do “Violator”. Mas é saudosismo! Lá se vão quase trinta anos e nem no álbum que o sucedeu o Depeche Mode olhou para trás, “Songs of Faith and Devotion” foi mais uma guinada na música do grupo. E essa tendência de ir saindo do círculo musical havia começado bem antes, lá em “Black Celebration”.

“Spirit” é um álbum intenso, oferece algumas canções com temática mais romântica, mas no geral tenta pesar a mão na consciência do seu ouvinte sobre uma série de questões que estão acontecendo ao redor do mundo e requerem atenção. O Depeche Mode mostra porque continuam relevantes no cenário da música eletrônica.

NOTA: 8,0

Faixas:
1. Going Backwards
2. Where’s the Revolution
3. The Worst Crime
4. Scum
5. You Move
6. Cover Me
7. Eternal
8. Poison Heart
9. So Much Love
10. Poorman
11. No More (This is the Last Time)
12. Fail

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