‘As 4 Filhas de Olfa’ e os conflitos geracionais de uma família diante do Islamismo


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Filme da diretora Kaouther Ben Hania, ‘As 4 Filhas de Olfa’ é inspirado em acontecimentos reais e indicado ao Oscar 2024

A diretora tunisiana Kaouther Ben Hania é um dos nomes que vem atraindo minha atenção nos últimos anos. Meu primeiro contato com seu trabalho foi em 2021, com o ótimo – e indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional – O Homem Que Vendeu Sua Pele (2021). Meses depois, A Bela e os Cães (2017) chegou em uma plataforma de streaming e eu pude conferir o que considero sua obra-prima e um dos melhores filmes da década passada. Quando recebi o convite para assistir As 4 Filhas de Olfa, se tornou impossível dizer não.

As 4 Filhas de Olfa apresenta pontos em comum com os projetos anteriores: Há um interesse em uma área específica do Oriente Médio – Tunísia, Síria –, é inspirado em eventos que realmente aconteceram, e também evoca temas chaves de tais civilizações, como a integridade do corpo, a religião e questões de gênero. Esses encontros temáticos e recortes geográficos, exibem o tipo de história que Ben Hania tem interesse em contar. Entretanto, é sempre muito prazeroso ver como ela não quer se repetir.

Quando menciono repetição, quero me referir à unidade estilística desses filmes. A diretora não utiliza o mesmo olhar da câmera, não usa o mesmo filtro para sua fotografia, não faz a mise-en-scene ter o mesmo significado e importância, o trabalho sonoro também vai variando. Assim, diferente do tenso A Bela e os Cães e do estiloso O Homem Que Vendeu Sua Pele, As 4 Filhas de Olfa fica entre a ficção e a realidade, entre o relato documentado e a encenação.

A proposta é explicada já nos primeiros minutos de produção. A história de Olfa virará um filme – um filme dentro do filme –, Olfa terá uma atriz (Hend Sabry) para interpretá-la, suas filhas mais novas Eya e Tayssir interpretarão elas mesmas, enquanto Nour Karoui e Ichraq Matar interpretarão Rahma Chikhaoui e Ghofrane Chikhaoui, as filhas mais velhas que foram ‘‘devoradas por lobos’’. É claro que não há uma literalidade nessa passagem marcante, Rahma e Ghofrane não foram devoradas por uma alcateia, a frase faz alusão direta ao conto da Chapeuzinho Vermelho.

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Na história clássica, Chapeuzinho desobedece a mãe e, no trajeto que não deveria fazer, é ingênua o suficiente para confiar em um lobo. O conto é um espelho daquele drama familiar: Rahma e Ghofrane deixam a casa por ambições rebeldes – conseguir hijab para vender, exibir a blusa do anticristo – e, quando voltam, o que lhe fora falado por lobos durante o trajeto, levam as duas jovens a acreditar que o Estado Islâmico é a salvação da um mundo em declinio.

Na versão dos Irmãos Grimm, Chapeuzinho seria salva e ela aprenderia a lição. No entanto, estamos falando da versão de Perrault, aquela na qual Chapeuzinho realmente é devorada. Continuo a dizer que não existe algo literal nisso, mas apenas um reflexo: Olfa perde suas filhas para sempre, elas que, convencidas por homens maldosos, se radicalizam, partem para a Síria, se casam com extremistas e planejam atentados pela Tunisia.

Ben Hania, no entanto, não quer explorar a vida após Estado Islâmico. Pelo contrário, essa mudança radical na vida familiar é explorada apenas no final do filme, como uma consequência do verdadeiro interesse da produção: Explorar os conflitos geracionais; o ciclo de criação de meninas; a visão de que a mãe cria a filha de um modo e tal filha criará sua filha da mesma maneira, apesar de reconhecer que não é o ideal.

Assim, o drama documental se interessa no cotidiano daquela família. Na criação de Olfa e como ela transferiu ensinamentos religiosos e algumas das crueldades que sofreu para suas filhas. Busca entender o porquê de Olfa ter espancado Ghofrane por ela ter depilado as pernas. Busca entender porque quase expulsou Eya de casa quando a menina tinha apenas oito anos após confundir uma foto de duas pernas juntas com uma nádega. E como, posteriormente, Olfa veio a lutar para impedir que as filhas mais novas viessem a ser influenciadas pelas mais velhas, estas que começaram a se tornar o extremo do que Olfa sempre defendeu.

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Ben Hania consegue extrair de uma abordagem que poderia ser chata e até pedante um filme que é completamente o oposto. As 4 Filhas de Olga é emocionante, e essa emoção vem de como a diretora consegue explorar sentimentos humanos, transmitir tudo que uma mãe, uma filha e uma irmã podem sentir nessas relações, sentimentos como raiva, empatia, amor, indiferença e, às vezes, tudo isso junto.

CLIQUE PARA ASSISTIR AO TRAILER

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FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

TÍTULO ORIGINAL: Les filles d’Olfa
ANO: 2023
GÊNERO: Documentário, Drama
PAÍS: França, Tunísia, Alemanha, Arábia Saudita, Chipre
IDIOMA: Árabe, Francês e Inglês
DURAÇÃO: 1:47 h
CLASSIFICAÇÃO: 14 anos
DIREÇÃO: Kaouther Ben Hania
ROTEIRO: Kaouther Ben Hania
ELENCO: Olfa Hamrouni, Sim Chikhaoui, Tayssir Chikhaoui, Nour Karoui e outros.
AVALIAÇÕES: IMDB

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