‘It, A Coisa’ capta a essência do livro de Stephen King e tem atuação soberba de Bill Skarsgård
O que torna um filme um clássico? O que o eleva ao status de “Filme Cult”? Perguntas difíceis de serem respondidas.
Muitos filmes de décadas passadas passaram por essa situação, com críticas comuns e presença de público idem. Algumas películas chegam a essa posição por uma história que poderia ser contada de forma diferente, com potencial para ir muito além do que ela se propôs – projetos muito grandes em importância para diretores comuns? Nunca se saberá ao certo.
Pensando dessa forma, alguns filmes perdidos de tempos passados são levados às tão temíveis refilmagens ou remakes/reboots, muito por parte do viés lucrativo que nunca foi alcançado ou para tentar explorar o real potencial destes.
É o caso aqui.
Vinte e sete anos após a primeira adaptação, a minissérie para a TV It, Uma Obra Prima do Medo (1990), uma dessas obras perdidas da década de 80, chega as telas o filme It, A Coisa, nome mais adequado para proposta do livro do grande escritor de terror Stephen King.
A obra original, um calhamaço de mais de mil páginas, pode afastar muitos leitores pelo seu tamanho, mas, como grande parte desta, o terror apresentado nada mais é que uma metáfora dos medos que a maioria das pessoas estão sujeitas quando submetidas a situações de difícil compreensão. A partir deste ponto, os demônios interiores se mostram piores do que os monstros que estes enfrentam. Com It, A Coisa não deixa de ser diferente.
A história tem início nas férias escolares de 1988, em Derry, pacata cidadezinha do Maine. Bill, Richie, Stan, Mike, Eddie, Ben e Beverly formam o ‘Clube dos Perdedores’ – jovens que não são populares e sofrem bullying na escola. E naquele verão, eles enfrentam pela primeira vez A Coisa, um ser sobrenatural e maligno que deixou terríveis marcas de sangue em Derry, ao mesmo tempo aprendendo o real sentido da amizade, do amor, da confiança e também do mais profundo e tenebroso medo.
Todos os personagens do ‘Clube dos Perdedores’ têm seus demônios a serem exorcizados, e o confronto com o palhaço Pennywise os explora da forma mais assustadora possível, fazendo com que as crianças sintam medo, combustível que alimenta o perigoso palhaço. Para além disso, It, A Coisa aborda temas como abuso sexual, racismo, superproteção, bullying – que se apresenta de forma violenta -, e o próprio medo de palhaços – dramas comuns nessa fase da vida, aqui muito bem representados.

O filme do diretor Andy Muschietti (diretor do terror ‘Mama’) apresenta cenas de perfeita interação entre seus personagens principais, num total de sete, com a possibilidade de uns despontarem mais que os outros. Nesse aspecto, tem-se como alivio cômico os personagens de Richie Tozier e Eddie Kaspbrak (Finn Wolfhard e Jack Dylan Grazer, respectivamente). Mas a grata surpresa fica por conta da única garota do grupo, Beverly Marsh, interpretada intensamente por Sophia Lillis, que consegue transmitir uma notável gama de sentimentos numa mesma cena apenas com a força do olhar.
O filme não se preocupa em explicar origem, motivos, nem qual o objetivo final do palhaço. O foco é a ameaça à amizade dos garotos na forma de um palhaço maligno – e aqui não importa o que ele é exatamente. “Eu não sou real o suficiente para você? ”, pergunta em determinado momento o perverso Pennywise, que contenta-se na maioria das vezes em deixar seus alvos em pavor constante ao invés de matá-los. Por definição, poderia até ser considerado um terrorista. A exploração do medo e dos (futuros) traumas da garotada é o que dá mais significado à presença de Pennywise. Ele é “apenas” isso. É um personagem imprevisível, multifacetado, e muito bem interpretado por Bill Skarsgård, numa combinação de sedução e loucura, em interpretação intensa e visceral, até nas cenas em que pouco aparece.
A fotografia é igualmente bela, contrastando os momentos quentes. O filme se desenvolve praticamente durante o dia, o ótimo design de produção não só acerta nas cores, mas também ao conceber ambientes claustrofóbicos, com tetos baixos, corredores estreitos e um ar de decadência angustiante. Por se tratar de um filme diurno, o diretor não se atém a sustos fáceis, criando as condições para que as cenas sejam mais assustadoras possíveis.
Comparações são inevitáveis com o grande sucesso de público e crítica da série Stranger Things, responsável pelo revival da chamada década perdida (anos 80). Mas as obras de Stephen King são mais que uma referência para o popular seriado, ditando muitas referências a sua obra como em muitas das produções da década de 80. Logo não faz muito sentido os comentários que que It usa Stranger Things como inspiração, mas mais por ser um período que traga muitas boas lembranças aos espectadores.
Leia a crítica da série ‘Stranger Things’, de Andy Muschietti
It , A Coisa é um filme que exige sacrifícios de personagens, de crenças no futuro, de idealizações sobre pais e instituições – todos falhos ou ausentes nesta história. O imaginário de que “qualquer um pode ser feliz caso se esforce de verdade” é brutalmente destruído pelas perspectivas cinzentas do roteiro. Os adultos já se perderam, e talvez não tenham solução. Cabe aos pré-adolescentes, que retornarão na sequência do filme, trazer alguma mudança estrutural ao cenário para não tornarem-se os adultos que não transmitem nenhuma segurança as suas crianças.
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FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:
TÍTULO ORIGINAL: It
ANO: 2017
GÊNERO: Terror, Suspense
PAÍS: EUA
IDIOMA: Inglês
DURAÇÃO: 2:15 h
CLASSIFICAÇÃO: 16 anos
DIREÇÃO: Andy Muschietti
ROTEIRO: Chase Palmer, Cary Joji Fukunaga e Gary Dauberman, baseado no livro de Stephen King
ELENCO: Bill Skarsgård, Jaeden Martell, Finn Wolfhard e outros
AVALIAÇÕES: IMDB
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