ENTREVISTA | Joilson Santos


Quem conhece um pouco o cenário alternativo musical de Feira de Santana sabe o quão difícil é manter uma banda, produzir shows, encontrar espaços para ensaiar/tocar. De alguns anos pra cá algumas coisas parecem ter mudado, outras insistem em permanecer do mesmo jeito. Tentando conhecer e entender um pouco mais a respeito das dificuldades enfrentadas, além de divulgar o trabalho de pessoas envolvidas nesse cenário, o Urge! publicará algumas entrevistas com esses “atores” tão importantes para o funcionamento dessa engrenagem complexa chamada “cena alternativa”, se é que já podemos falar de cena. Dando início, mandamos alguma perguntas para Joilson Santos, músico (Clube de Patifes e Erasy) e responsável pela Produção e Gestão do Feira Coletivo Cultural, que vocês acompanham abaixo.

Da época do surgimento para hoje, o que mudou no Coletivo? Como enxerga o papel do mesmo no cenário local, regional e nacional?
R: Muita coisa mudou, é meio difícil qualquer coisa não sofrer a influência do tempo. O coletivo para se manter na ativa se reconfigurou bastante, não só na forma de atuar mas na própria formação, diversas pessoas passaram pelo grupo, deram contribuições importantes, e ajudaram a formar o que é hoje o Feira Coletivo. Muitas mudanças são frutos dos aprendizados, das experiências, vivências que temos ao longo desses quase 10 anos. Mas ao mesmo tempo algumas coisas permanecem da mesma forma, como a nossa fé na música autoral e independente, no potencial que Feira e a Bahia tem dentro desse universo e na qualidade dos artistas que produzem por aqui. Acredito que nosso papel foi e é importante por que trazemos contribuições para tudo isso que a gente se envolve, somos um coletivo que pensa a cena local, busca formas de impulsioná-la mas também conectamos a cidade com outras cenas, recebemos bandas e produtores de outras regiões e a criação do festival foi fundamental para a cidade neste sentido. Coloca a cidade na rota de turnês, no mapa da música independente.

Além de fomentar a cultura alternativa, há uma proposta de conscientização social ou política no FCC?
R: Não sei se o fim seria essa conscientização, mas temos uma posição clara sobre muitas coisas e nossa visão de mundo se reflete em nossas ações, eventos, artistas que trabalhamos, e o público que tá conectado ao Feira Coletivo entende isso a partir desses projetos. Em 2015 mesmo a parte de formação do festival foi toda voltada para discutir assuntos importante e pertinentes à cidade. Mobilidade, direito à cidade, questões como homofobia, racismo estiveram presentes em nossas oficinas, mesas redondas, na nossa programação de shows também. Quando a gente traz em 2015 a Tássia Reis, ou Larissa Luz em 2017, por exemplo, mulheres negras, que sentem na pele machismo, racismo e que discutem isso em suas músicas, nos seus shows, a gente na verdade quer amplificar a partir do nosso festival, o que elas têm a dizer, por que a gente também pensa de forma semelhante sobre as mesmas questões e utiliza o evento como espaço de reflexão e debates.

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Os objetivos/metas alcançados pelo Coletivo até o momento estão dentro do esperado?
R: Dentro do esperado não, porque a gente queria muito mais para cidade e para os artistas independentes, para cultura de nosso estado. Mas ano que vem a gente completa 10 anos de existência, e muito do que a gente fez tem resultados acima de nossas expectativas, outros não. É natural isso, e sempre vai ser desse jeito. O Feira Noise é um exemplo de algo que cresceu muito ao longo dos anos, muito além de nossas expectativas, ao mesmo tempo, o coletivo sempre esteve engajado na luta por mais investimento público na cultura, por políticas públicas que ajudassem no desenvolvimento das atividades culturais dentro de Feira de Santana e do Estado da Bahia principalmente, mas estas questões avançaram muito pouco, apesar de nossos esforços junto a diversos agentes culturais nessa questão, diversos problemas que tínhamos há 10, 15 anos atrás permanecem.

Em uma entrevista de 2016 para o site El Cabong, você pontuou a falta de espaços para shows de pequeno e médio porte na cidade, mudou algo de lá pra cá?
R: Não. Continuamos com grandes dificuldades nesse sentido, e isso inviabiliza a produção de muitos eventos e shows que gostaríamos de trazer para a cidade. Temos poucas casas, e estas existentes contam com um formato que encarece muito as produções e isso dificulta muito nosso trabalho e de diversos produtores de Feira.

É verdade que eventos alternativos não se pagam com a bilheteria, mas com o bar, com o consumo? Já pensaram em ter um espaço próprio do FCC?
R: Na verdade bilheteria e bar se complementam, só o bar também não cobre os custos em eventos sem patrocínios. O que ajuda muito é quando a produção tem o bar e a bilheteria, mesmo assim a possibilidade de sair no vermelho é grande e bem provável (rsrs). A ideia do espaço nosso é antiga mas ainda não conseguimos viabilizá-la, mas acredito que esteja mais perto que nunca de isso acontecer, o tempo inteiro estamos pensando nisso, mas ainda não encontramos soluções que nos ajudem a fazer isso acontecer.

Qual a sua opinião em relação as parcerias para a realização de eventos alternativos? É possível realizar sem patrocínio público ou privado?
R: Investimento público e privado ainda é fundamental para realização de eventos, mas isso não significa que seja impossível fazer sem eles. O Feira Noise é um grande exemplo disso, ainda sofremos com a falta de apoio, mas cada ano que passa, a gente se reinventa, busca novas soluções e caminhamos mais e mais para um formato autossustentável e que para mim é fundamental. O estado reduziu o apoio e fomento à cultura aos editais, que não rola todo ano. Em 2017 mesmo não houve edital do fundo de cultura do estado, e quando têm ocorre um monte de problemas com repasse dos recursos, atrasos e adiamentos e é bem complicado depender deles dessa forma. Além, é claro, da possibilidade de seu projeto não ser aprovado. Por isso que é bem comum projetos legais que surgem e desaparecem logo em seguida, a possibilidade do evento não se pagar sem um edital ou um grande patrocinador é sempre muito grande. Da parte do setor privado é bem pior, geralmente não investem na produção cultural e em quase 100% das vezes que você vir uma marca vinculada ao evento ela está atrelada a política dos editais a partir de isenção fiscal, uma ferramenta que tinha como objetivo impulsionar o investimento privado na cultura acabou sendo distorcido e viciando as empresas nesse mecanismo onde elas investem pouco ou nada e dão evidência a sua marca.

Como disse no início a participação do poder público é fundamental, cultura é direito garantido na constituição, mas acredito que seja necessário pensar em mais mecanismos para fomento dela, também é necessário repensar e ampliar a política de edital.

O orçamento destinado a cultura é outro problema, é sempre minúsculo e em qualquer sinal de crise é o primeiro a ser cortado, e óbvio que os governos fazem isso sem pensar no estrangulamento de toda uma cadeia produtiva que depende de recursos e que ainda é frágil por conta dessas questões que falei acima.

Tempos atrás se falava que a cidade não tinha uma cena independente devido a falta de união de bandas, produtores de eventos, capacitação técnica, etc., você concorda? E o que acha da cena independente atual de forma geral?
R: Eu discordo de alguns pontos, Feira sempre teve uma cena independente, sempre houve shows, bandas em atividades e muita coisa interessante acontecendo. Faltava sim capacitação técnica, mais produtores, casas de shows, mais discos sendo gravado, clipes. Isso mudou bastante, hoje temos um monte de bandas em atividade, fazendo material de qualidade, ótimos shows, temos uma galera atuando com mais profissionalismo, isso é importantíssimo e tem ajudado bastante a dar mais evidência a tudo que é produzido dentro da cidade.

Embora vocês promovam diversos eventos ao longo do ano, a percepção é de que as coisas começam a acontecer mesmo no segundo semestre, quando ocorre o Feira Noise, inclusive até o próprio site reflete isso, o que poderia falar a respeito?
R: Isso varia um pouco a cada ano, mas em Feira de Santana a gente tem uma dificuldade maior de realizar eventos no primeiro semestre. Janeiro as pessoas viajam muito, fevereiro tem o carnaval, março tem diversos feriados e abril tem o micareta, da para fazer, mas tem um efeito claro no tamanho do público. Mas já teve ano que produzimos bastante no primeiro semestre, mas era um período que a cena independente brasileira estava bem mais aquecida, com um monte de turnê rolando, diversos coletivos pelo Brasil atuando de forma constante e com muita força, isso deu um ganho na música independente sem precedentes e é claro que refletia por aqui também, pois o tempo todo tinha banda legal passando pela cidade e a gente se esforçava para receber o máximo de artistas em circulação dividindo palco com bandas da cidade. O que ocorreu é que isso deu uma diminuída gigante, poucas bandas circulando, o momento econômico do país é outro também, dificultou circulação de agentes culturais, bandas, artistas, e um número menor de eventos acabam esfriando o público. Por outro lado a dificuldade de local e os custos para produzir aumentaram. Resultado é o Feira Coletivo produzindo menos eventos, mas a cidade segue fervilhante com uma programação cultural bem rica e diversa.

Ainda sobre Feira Noise, três dias de eventos, deve ser bem trabalhoso, inclusive devido a quantidade de artistas envolvidos, como vocês administram a logística?
R: Sim é muito trabalhoso, mas a gente vem aprendendo muito ao longo dos anos com o festival, e sempre corrigindo erros de uma edição na edição seguinte. Também trocamos muita informações com produtores de outros festivais, frequentamos alguns também, isso gera uma troca rica de aprendizado que nos ajuda muito. A logística é uma das partes mais complicadas do evento por isso é a que a gente começa a fazer bem mais cedo, cerca de 3 meses antes, planilhas e mais planilhas com o máximo de informação possível para que tudo funcione minuciosamente bem, são muitas bandas chegando, outras indo embora, horários para passagens de som, montagem e desmontagem, saída e chegada. A gente sempre coloca colaboradores neste setor, gente que quer experimentar e aprender vivenciando o festival, isso ajuda de várias formas e acaba capacitando mais pessoas nesta área.

Quais os critérios para um artista, seja ele local ou nacional, participar do Feira Noise?
R: A gente observa muita coisa, lógico que o principal é que seja artista com trabalho autoral, e de qualidade, mas além disso a banda/artista precisa tá trabalhando, se movimentando, lançando disco, fazendo shows, circulando, lançando clipes, envolvido com este cenário, ou seja, tem que ser um artista que esteja apostando no seu trabalho e de alguma forma chamando atenção com isso. A gente vê muito artista que até tem trabalho autoral, mas se você vai numa apresentação dele no máximo toca 1 ou 2 músicas autorais, ou seja, nem ele acredita em seu trabalho. Não temos nada contra isso, mas não é o perfil que a gente procura para o festival. A gente acredita que o mercado de música independente tem potencial, é forte, está crescendo, e procuramos artistas que estejam seguindo esse caminho também, entendendo todo esse contexto e tentando colocar sua arte neste processo da melhor forma possível, com o máximo de profissionalismo, aí o festival cumpre seu papel que é auxiliar/impulsionar esse trabalho.

Abrimos espaço para artistas/bandas que estão no início da carreira também, mas que de cara já mostram a que veio, exemplo disso são bandas como a Iorigun e Sofie Jell na edição de 2017. Além disso, claro que as bandas que tem se destacado nacionalmente, ou com carreira consolidada, que circulam dentro desse universo que é a música independente brasileira, é alvo para o festival e dentro das nossas possibilidades integram a programação.

Recentemente saiu nas redes sociais uma declaração feita por um dos criadores do Festival Suíça Bahiana, que também faz parte do Fora do Eixo, onde ele falava do prejuízo que teve no ano passado, devido a diferença entre público esperado e efetivo. O FCC já passou por algo parecido? Como driblar esse tipo de situação?
R: Já passamos por isso diversas vezes e essas dificuldades inclusive interromperam a sequência do festival duas vezes e deixamos de fazer o evento em 2013 e em 2016. É bem difícil você fazer eventos como o nosso, sem patrocínio e conseguir cobrir todos os custos com a bilheteria e o bar. Por conta disso trabalhar com modelos diferentes de produção, utilizando diversas tecnologias que aprendemos com a economia solidária, envolvendo mais colaboradores e muita criatividade conseguimos reduzir muito o custo do festival e isso é importantíssimo para sobrevivência do evento. Não existe um festival independente no Brasil que já não tenha passado pelas dificuldades que o Suíça Bahiana passou, e nós também diversas vezes. Na verdade, todo ano é como se a gente fosse fazer o evento pela primeira vez, no que diz respeito aos recursos para financiar o Feira Noise, é sempre uma decisão difícil por conta dessas questões e outras como a eterna dificuldade para conseguir o espaço para sua realização.

Vocês têm um perfil traçado do público que vai aos eventos realizados pelo FCC, principalmente ao Feira Noise?
R: Temos sim. É um público bem variado, no caso do Feira Noise, por conta da diversidade da programação, mas claro que o perfil socioeconômico é de uma concentração na classe média, principalmente por ser um evento pago. Na idade, o público fica entre 16 e 60 anos, com uma concentração maior entre as idades de 18 e 35 anos. Durante o ano isso muda um pouco a depender das atrações que compõem a programação do evento em questão. Tem shows que concentra um público mais jovem, outros um público um pouco mais velho e por aí vai.

Como anda a programação de 2018? Poderia adiantar algo em relação a próximos eventos e Feira Noise?
R: Bem, já temos a data mais ainda não conseguimos confirmação do local. Se tudo correr como planejado, o evento acontecerá em novembro novamente entre 23 e 25. Já estamos conversando com algumas atrações, mas por enquanto não podemos adiantar nada ainda. Mas seguimos atentos a cena independente, analisando um monte de possibilidades no que diz respeito a programação. Em relação aos eventos menores, provavelmente no segundo semestre a gente realizará alguns eventos de aquecimento pro festival. Temos produzido eventos de metal junto à Dopesmoke Produções, que é uma produtora/selo voltada pra música pesada que criamos junto com outros nomes da cena da cidade e conta com a parceria de marcas importantes do metal feirense como Thundergod Zine do The Metalvox Rec, Putrid Design, U.H.F e já realizamos o primeiro evento em março e o próximo será agora em junho, estamos avaliando a possibilidade de já sair um festival voltado pra música pesada já no próximo semestre.

Considerações finais…
R: Gostaria de agradecer ao espaço e todo engajamento do Urge! na cobertura do Feira Noise do ano passado, iniciativas como a de vocês são importantíssimas para cidade e fundamental para nosso cenário. Fico muito feliz de ter uma mídia com o quilate do Urge! em atividade em Feira de Santana muito atenta a tudo que acontece no que diz respeito ao rock e a música alternativa/independente brasileira e gringa, mas sem perder o foco no que ocorre em nossa cidade.

:: Assista abaixo a apresentação da Clube de Patifes no Feira Noise 2015:

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