HERE AND NOW (Here and Now, 2018)


“Série peca por carregar nos dramas em detrimento de um roteiro mais coeso”

O dramaturgo, roteirista, diretor e produtor de televisão e cinema norte-americano Alan Ball teve o reconhecimento no mundo do entretenimento quando em 1999 recebeu o Oscar de Melhor Roteiro Original por “Beleza Americana”, que abordava temas como homossexualismo, drogas, não aceitação do corpo, solidão, racismo. Apresentava a existência vazia dos subúrbios americanos, sempre com um olhar ácido sobre a sociedade americana e seus preconceitos.

O sucesso fez com que começasse a ser mais notado e cotado em Hollywood, conseguindo alguns trabalhos na sequência. Sem muito êxito nestes, mas com o crédito pela premiação, foi contratado com carta branca pela HBO, reconhecida pelos melhores conteúdos televisivos da TV fechada americana, para roteirizar uma ideia que pelo conteúdo e teor abordado dificilmente seria acolhida por outra rede.

Dessa parceria nasceu em 2001 a série “A Sete Palmos”, um drama convencional de família, lidando com assuntos como infidelidade, homossexualismo e religião. Distinguindo-se por abordar o tema da morte de forma diferente, e explorando os seus múltiplos níveis: pessoal, religioso e filosófico, e não apenas como um mero ímpeto conveniente para a solução de um assassinato. Ao longo de 63 episódios e 5 temporadas, a serie apresentou-se como o que de melhor a TV americana trouxe aos telespectadores. Sucesso de público e critica, conseguiu vários prêmios.

Após mais alguns trabalhos na TV e no cinema também como diretor, em 2008 Ball emplacou outra série, a irregular “True Blood”, baseada nos livros “The Southern Vampire Mysteries”, da escritora Charlaine Harris. “True Blood” fala sobre a coexistência de vampiros e humanos em Bon Temps, uma pequena cidade fictícia localizada em Louisiana. Mesmo com alguns percalços, a série manteve-se ao longo de sete temporadas com boa audiência e levando algumas premiações.

“Here and Now”, a nova série do diretor, tem a mesma premissa de “Six Feet Under” e um nome altamente sugestivo. A história gira em torno de uma família multirracial encabeçada por Greg Bishop (Tim Robbins) um filósofo cuja ideologia por um mundo melhor e igualitário, com passar dos anos, foi dando lugar a uma existência vazia e sem significado. Casado com Audrey Bayer (Holly Hunter), trabalhando e utilizando-se da empatia para com as pessoas, não consegue reconhecer os problemas da família. O casal tem três filhos adotivos: o colombiano Ramon (Daniel Zovatto), a liberiana Ashley (Jerrika Hinton) e o vietnamita Duc (Raymond Lee), além de Kristen (Sosie Bacon), a filha biológica e mais nova dos irmãos.

Essa família de membros peculiares entregam conflitos que indicam estarem pessoalmente saturados com a vida e a rotina que levam em si, tudo isso aumenta a carga dramática da narrativa quando tem suas vidas afetadas quando um de seus filhos começa a ter visões em cima da sequência numérica 11:11.

Um dos pontos altos da série aconteceu já no primeiro capítulo, ao fazer uma crítica disfarçada à mania das celebridades que se dizem intelectuais e militantes, apresentando um casal disfuncional que, quando jovem, na ânsia de se apresentar como descolado, optou por adotar diversos filhos, originalmente de países com problemas estruturais e sociais. Fato que fez lembrar de vários casais, inclusive brasileiros, algo que Mia Farrow fez muito antes de  Angelina Jolie e Brad Pitt transformarem em algo tão casual.

Já no primeiro episódio, as camadas que cobrem os personagens começam a ser descortinadas, apresentando uma família como qualquer outra, com seus dilemas, crises e relações interpessoais conflituosas. Ashley é negra, seus dilemas se apresentam por nunca ter sofrido o preconceito racial, por ter crescido em uma família multiétnica e não entendendo esse significado. Duc, mesmo não sendo filho biológico, sempre procurou a todo o custo a aceitação e o reconhecimento do pai, seja na forma de se enxergar com sucesso em sua profissão, ou como atleta, sempre tendo um corpo perfeito e nunca admitindo a derrota, não aceitando nem mesmo o segundo lugar como um prêmio, ou até mesmo escrever um livro, tal como seu pai fez em um passado distante.

Ramon, homossexual assumido, é sempre cobrado pela sua mãe por não enxergar na vida que este leva uma vida tão vitoriosa como a de seus irmãos, talvez seja o personagem com os dilemas em menor potencial da série. Fechando o arco principal, a filha mais nova, Kristen, como toda adolescente prestes a entrar na vida adulta, vive sob influência da maconha e demonstra não aceitar a própria aparência, achando-se feia em comparação aos irmãos, escondendo-se por trás de uma máscara – a cena da máscara de cavalo tanto bizarra quanto nonsense.

Com um elenco abrangente, e uma abordagem coletiva, o espectador acaba se interessando pelos dramas que cada membro dessa família disfuncional vai apresentando ao longo dos dez episódios. Essa estrutura se assemelha muito com “A Sete Palmos”, mas sem a mesma profundidade.

As atuações são seguras e impecáveis. Tanto o elenco principal quanto o secundário deixam transparecer várias camadas de suas personagens, onde muitas vezes o simples olhar, ou as atuações corporais transmitem todas as sensações de incomodo mesmo não sendo verbalizadas, tornando os personagens multidimensionais.

A parte técnica também é impecável, enquanto varias series atuais evocam uma nostalgia por décadas passadas, “Here and Now” se mostra como um produto dos tempos atuais com seus diálogos em forma de bate papo pelos aplicativos dos celulares, dando um toque não de urgência, mas de naturalidade em relação as mudanças tecnológicas as quais o mundo tem passado. Tudo que é mostrado tem um tom contemporâneo e plausível. Uma característica marcante na HBO é a preocupação com que tudo aquilo seja real aos olhos do espectador, mas também há de se perceber que a preocupação maior se dá no desenvolvimento dos personagens.

Infelizmente a serie acabou apresentando menos do que prometeu, não que seja ruim, mesmo porque o selo HBO credencia os seus produtos, mas em certos momentos a trama transparece confusa e sem muita explicação. Talvez a maneira que foi utilizada para fazer certos comentários ácidos e até justos sobre a sociedade americana, se sobrepôs a uma história que tinha bastante potencial para ser explorada. Outra coisa que incomodou bastante na série foi o desaparecimento sem muita explicação de um personagem que participava de um eixo narrativo .

Alan Ball tinha um produto interessante que não soube explorar de uma maneira satisfatória, a boa utilização dos dramas dos personagens em detrimento de um roteiro mais coeso foi uma aposta da série que não deu certo, haja vista o cancelamento em sua primeira temporada. Resta aguardar que o famoso roteirista apresente um trabalho mais consistente em projetos futuros como feito outrora.

:: NOTA: 6,5

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:: FICHA TÉCNICA:
Emissora (Eua): HBO (HBO também no Brasil)
Temporadas: 1 (série cancelada)
Episódios / Tempo: 10 (cada um com um tempo entre 50 a 60 minutos aproximadamente)
Criador: Alan Ball
Elenco: Daniel Zovatto, Sosie Bacon, Holly Hunter, Jerrika Hinton, Tim Robbins, Peter Macdissi, Joe Williamson, Raymond Lee, Marwan Salama, Necar Zadegan, Niousha Noor, Fernanda Andrade             Temáticas: Drama, Humor negro, Sobrenatural
IMDB: Here and Now

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:: Assista abaixo ao trailer:

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