‘The Baggios’ fala sobre sobre ‘Brutown’, o massacre no Bataclan, o desastre em Mariana e mais


Foto: Paula Holanda

The Baggios surgiu em São Cristóvão (SE), no ano de 2004. A banda atualmente é formada por Julio Andrade (Voz e Guitarra), Gabriel Carvalho (Bateria) e mais Rafael Ramos (Baixo e Teclado). A banda tem três álbuns lançados: The Baggios (2011), Sina (2013) e Brutown (2016), além de três Ep’s, um DVD ao vivo, e participação em algumas coletâneas.

Em passagem por Feira de Santana, para se apresentar no Festival Feira Noise 2017, a banda, que em 2016 foi muito elogiada pelo álbum Brutown – um dos melhores álbuns do Rock Nacional, que inclusive concorreu ao Grammy Latino -, gentilmente cedeu parte do seu tempo para bater um papo com o Urge! onde falaram sobre Brutown, o massacre no Bataclan, o desastre em Mariana e a importância de manter o foco.

ENTREVISTA POR:  Isaac Martins e Luciano Ferreira


Em estúdio vocês podem acrescentar outros instrumentos aos arranjos, mas ao vivo o The Baggios até recentemente era um duo, como conseguiam fazer essa “mudança de chave”, das músicas em estúdio para ao vivo?
Julio Andrade: Ao vivo, nós agora somos trio. Com esse disco, a gente acabou fazendo nossas turnês em trio, mas até o ano passado (2016) realmente estávamos em processo de transição ainda de duo para trio. Aí começamos a compor as musicas novas e começamos a fazer shows ora em duo, ora em trio, meio a meio, metade do show era em duo, metade em trio. Aí depois assumimos o formato de trio.

Queria até acrescentar que o disco é muito bom, um dos melhores que ouvi ano passado.

“Brutown” pode ser qualquer cidade do Brasil ou do mundo,ou seria o próprio Brasil? E aí a gente pega uma frase da música “Sangue e Lama”, onde você diz: “Mate não, mate não, mate não, mate não, Seja por amor, dinheiro ou religião, Há um mundo que clama a ti, Mais tolerância e afeto pra nos acudir”
JA: As letras de Brutown refletem muito do momento atual brasileiro e mundial. Essa música, por exemplo, fala de dois acontecimentos: o que aconteceu lá no Bataclan, um atentado num show da banda Eagles of Death Metal; e o que aconteceu em Mariana, com a morte do Rio Doce, onde os eventos aconteceram muito próximos. Dois grandes choques para mim. A música traz uma reflexão, e como esses acontecimentos me marcaram. O caso do Bataclan, por exemplo, me marcou profundamente, por ser uma coisa mais de minha realidade, não mais forte, mas um massacre, pois uma banda tocando para pessoas, enquanto em um dado momento, uma pessoa entra e ataca essas pessoas que só estavam lá para se divertir, triste. E aí o grupo que assumiu o atentado, você percebe que eles fazem isso com muita frequência e para eles é uma forma de expressar, meio que mostrar que eles estão incomodados com algo, entende? As pessoas acabam utilizando desses problemas do mundo e tentam resolvê-los de formas muito brutais.

Talvez seja a própria forma deles enxergarem os seus problemas e não sabemos até que ponto podemos julgar se certo ou errado…
JA: Na verdade, isso foi um exemplo. Como aqui no nosso próprio país tem pessoas que não fazem parte, mas que fazem coisas tão violentas quanto. Na verdade, basta assistir um noticiário local para vermos o número de atos de barbárie cometidos pelas pessoas.

Recentemente em nossa região, em Salvador, tiveram dois ocorridos: o primeiro, a invasão por parte da polícia a um terreiro tradicional de candomblé na busca de criminosos, não se preocupando que ali era um templo religioso. Talvez o tratamento teria sido diferente se fosse em uma igreja católica ou protestante. E o segundo, após um pastor de uma igreja evangélica se utilizar da internet para proferir ataques a outro terreiro também tradicional da mesma cidade, se utilizando de publicações de cunho racista e homofóbico que foram direcionadas também a alguns filhos de santo, difamando os frequentadores deste terreiro, um juiz determinou uma retratação pública de pastor para com esta instituição religiosa.
JA: A intolerância religiosa, racial, de gênero, faz parte de todo o contexto de uma cidade como Brutown. Toda a violência que é gerada através de uma intolerância é uma coisa que tem que ser questionada, sabe? É preciso uma reflexão constante. O disco acaba trazendo à tona algumas coisas que estão relacionadas a isso.

O Brutown, foi um trabalho muito elogiado pela crítica e público, e apesar de tomar uma direção diferente do Sina, algo que vocês até comentaram numa entrevista, foi muito bem recebido, até candidato a álbum do ano. Vocês esperavam essa recepção ou foi surpresa? E de que forma isso repercutiu na filosofia da banda?
Gabriel Carvalho: Nós fizemos o disco, claro que temos uma expectativa natural, onde tentamos ao máximo fazer o que gostamos, o que nos dá prazer, e apostando na força das composições. Claro que foi muito bom a repercussão do disco, na verdade que está tendo, esse lance todo de divulgação, de viajar, descobrir. As indicações, premiações, então é massa, só nos deixa mais contentes e com mais gás, e a gente só tem a agradecer por todo a recepção positiva.

E nós que gostamos e admiramos o trabalho, só temos a agradecer.
Gabriel Carvalho: Claro que, assim, é impossível não criar um pouco de expectativa, que acho eu ser natural, pois estamos colocando a cara a tapa, mostrando um trabalho e sempre fica aquele questionamento, será que as pessoas irão gostar (risos), e quando a resposta é positiva claro que gostamos também (risos).

Acredito que foi muito mais positivo do que negativo, pelo menos da minha parte (risos).

Quando vocês chamaram o Rafael Ramos pra fazer parte das gravações do “Brutown” já pensavam em incorporar outros instrumentos (baixo, teclados) aos arranjos ou aconteceu espontaneamente?

Gabriel Carvalho: Como o Julio tava falando, foi um processo natural, do tempo da banda. Tínhamos 10 anos nesse formato, dois álbuns e outros materiais tocando como duo, por uma questão de escolha, de liberdade criativa. Começamos a compor músicas novas e vimos que estavam pedindo mais elementos a serem incorporados ao nosso som e aí chamamos o Rafa (Rafael Ramos), que é um brother de muito tempo, e aí começamos a testar nos ensaios, muito antes de fazer com baixo e teclas e foi sendo incorporado no disco e ao vivo também. O disco é outra viagem, tem outros elementos, outras coisas.

Ainda sobre o Brutown, a arte da capa autoria de Neilton Carvalho (Devotos) é muito interessante, com uma coruja (símbolo da sabedoria), pairando sobre uma cidade (Brutown) em ruínas e dando lugar a uma “nova cidade”, além de um batalha sendo travada. Faz parte do conceito por trás do álbum?
JA: Na capa aparece uma cidade em conflito, e a coruja tem um simbolismo meio místico, aqui no Nordeste ela tem uma conotação muito mística, como se representasse a sabedoria e ao mesmo tempo o mau agouro.

Aqui, na Bahia, aquela coruja da capa é conhecida como Rasga Mortalha, que prevê o falecimento de um ente querido!
JA: Exatamente isso. Aquela alí é a Rasga Mortalha justamente por aquela lenda que ela sobrevoava a casa de alguma pessoa doente, rasgando a mortalha do doente, que, assim está prestes à morrer; e ao mesmo tempo em uma posição de observador de tudo aquilo que está acontecendo sob os seus pés. Acaba tendo estas duas representações, a sabedoria de estar observando aquelas pessoas naquela situação e ao mesmo tempo o agouro, onde aquela cidade aos seus pés não está funcionando, tudo acontecendo de uma maneira errada.

É uma belíssima arte para o trabalho de capa!

A indústria musical mudou completamente e isso já faz tempo, de forma que para lançar um álbum, fazer shows as bandas precisam ser criativas e ralar duro. Com uma carreira de 13 anos, três álbuns e um DVD, como o The Baggios consegue viver de seu trabalho de forma independente?
JA: A gente sempre trabalhou de forma independente, hoje em dia muitas bandas estão preferindo seguir esse caminho justamente pela liberdade de lançamento e produção dos seus trabalhos. Claro que a dificuldade de você ser um artista independente continua sendo a mesma. Você acaba em circuitos menores, limitados com menos recursos, as vezes agente empresta a grana para tocar em algum lugar, para podermos voltar em condições melhores, então é um processo de formiga, conquistar o publico lentamente para depois você voltar naquela cidade com mais público e maior aceitação.

Quando o grande público imagina o artista independente, o faça você mesmo, não é tão simples, a conquista do público é gradativa.
JA: Fora o fato de você não estar ligado a uma grande gravadora, mas também nós podemos ditar nossas próprias regras na nossa carreira. Você pode ter uma autogestão, sem ninguém por trás de seu trabalho, gerindo e dando as cartas de como você quer sua musica, e quando você tem uma gravadora, acaba ficando refém dessas situações. Você é moldado da maneira como eles enxergam. Hoje existem ferramentas como o Crowndfunding que possibilitam ao artista lança seus discos com a participação direta dos seus fãs ajudando no financiamento dos seus discos, isso tem ajudado muito os artistas independentes na produção dos seus trabalhos.

Eu mesmo participo bastante de financiamentos coletivos de bandas de que gosto.

Julio Andrade: Por sinal, parte do orçamento da produção de Brutown foi através de financiamento coletivo.

Como uma banda nascida em São Cristóvão, conseguiu driblar todas as adversidades e ter um alcance tão grande em sua música, inclusive disputar o Grammy latino na categoria de melhor álbum de rock ou música alternativa, tendo um reconhecimento além das fronteiras do país?

JA: Cara,independente de onde a banda surja, uma coisa muito essencial para qualquer artista em seus primeiros passos é o ”foco”, saca? Nós sempre fomos muito focados na nossa carreira, encaramos como trabalho, é o que fazemos. Estudamos pra fazer, não estamos por brincadeira. Amamos o que fazemos, pode parecer clichê essa frase, mas é a mais pura verdade. Pois se você não tem paixão pelo que você faz, se você não tem o foco necessário pra isso, se você não se dedicar, não encarar como trabalho, tudo isso acaba influenciando onde a banda chega, então isso é fruto de um trabalho de muito tempo. Essas conquistas foram frutos de um trabalho que começou lá em 2004 que a gente vem fazendo, não saberia explicar, esse é o caminho.

A primeira vez que vi falar sobre vocês foi há muito tempo, no programa AutoFalante, da TV Brasil. E assim, a banda pra ser reconhecida é um longo caminho, é tanto que não é que somos alheios ao cenário independente, hoje temos a facilidade da internet, mas até a busca dessas bandas é muito complicado.
JA: Que também é um programa independente. Sem contar que a Tv e o Rádio não facilitam nosso trabalho!

Essa é a quinta ou sexta vez de vocês em Feira de Santana, o que esperam desse show? E qual conselho dariam para as bandas iniciantes?
JA: Já frequentamos Feira desde 2011, terceira vez no Feira Noise e outras duas ou três vezes. Bem tá um clima massa, a expectativa do show é a melhor possível, público compareceu e vamos soltar o nosso trabalho novo.
Gabriel Carvalho: Estaremos apresentando o disco Brutown pela primeira vez em Feira, um show totalmente novo, novas músicas.
JA: Massa também, pois com disco novo ficamos mas instigados de mostrar a galera nosso novo repertório. E conselho, com tudo que falei na resposta anterior acho que é muito importante pra qualquer banda e qualquer trabalho que você faça. Você ter um foco, e deixar a paixão ditar os rumos, porque você é aquilo que você realmente ama fazer. Se eu faço música e está dando certo, vamos em frente! Eu agradeço pra caramba pois é a única coisa que sei fazer na vida, e tenho que abraçar mesmo.

Por sinal conheço historias de algumas bandas iniciantes, e até algumas mais antigas que muitas delas, que não deram certo pelo fato de começar a fazer um pequeno sucesso e o ego dessas pessoas ir lá para cima, não se dedicavam ao trabalho, acabavam perdendo o foco e a tendência era o fim.
JA: Cada um tem uma maneira de lidar como trabalho, alguns não estão preparados para o sucesso ou não. É muito difícil, principalmente quando sua música começa a tomar rumos e grandes proporções. O cara ganha grana e visibilidade muito grande, e dá uma pirada mesmo e muitas vezes não está preparado para isso. A gente tá há tanto tempo nessa onda que muitas vezes o que acontece é chocante, mas ao mesmo tempo a gente pára e pensa: “a gente já tá calejado, e o tempo só nos faz bem, só nos melhorando, e amadurecendo cada vez mais”.

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