Entre o desinteresse e a desinformação…


“…a reclamação ou a apatia”

O desinteresse pode levar a desinformação e vice-versa. O que não dá pra dizer o que é pior. O que pode-se afirmar é que muito do discurso (bastante gasto e que até já virou um mantra) de que já não existe boas bandas está intimamente ligado com o desinteresse e a desinformação, e convenhamos, nunca tivemos tanta informação quanto atualmente, basta haver interesse em ir ao seu encontro.

Interessante e engraçado voltar no tempo, a uns trinta anos atrás, e perceber que esse discurso já existia. Mais interessante ainda é perceber que naquela época esse discurso fazia até mais sentido do que hoje. Por quê? Simplesmente porque o acesso a informação era mínimo, não havia esse troço chamado Internet que quebrou tantas barreiras. De forma que, devido a escassez de informações, a sensação era de que realmente não havia nada de “novo”, nada de interessante.

Ficávamos a mercê de um único veículo voltado para informação sobre música no país, a Revista Bizz, que mudava seu padrão de reportagens de acordo com as exigências do mercado e de seu staff editorial. Apesar disso, não devemos esquecer que muito foi apresentado pela revista, inclusive por uma seçãozinha quase escondida da revista, a Zona Franca, de onde saíam algumas das melhores pérolas, o que talvez o desinteressado nem soubesse que existia ou, ainda, a seção Porão. Pegue lá sua coleção de revistas antigas ou sua coleção em CD-ROM e dê uma olhada em quantas bandas que viriam a “estourar” saíram na seção, incluindo o Nirvana, com “Bleach”.

Voltando aos dias atuais, em que a Revista Bizz é apenas uma lembrança nostálgica de uma época em que todo o universo musical era bem diferente do atual – gravadoras, bandas, gêneros musicais dominantes, formatos de música, etc -, onde buscar e encontrar referências sobre “novos sons e novas bandas” atualmente?

O desinformado/desinteressado repetirá seu mantra, dirá não só que isso não existe, pois tudo hoje é cópia, que tudo de bom ficou no passado, como também que os veículos de informação sobre música hoje não prestam.

Mas quem precisa de sites, blogs, revistas ou qualquer meio de comunicação e suas resenhas para conhecer coisas novas? Tudo está acessível no Youtube, no Spotify, no Deezer, no Facebook, no Bandcamp, no site das gravadoras, distribuidoras e selos.

Sites, blogs e revistas eletrônicas musicais são hoje meros “indicadores”, dão uma ideia a respeito do que se poderá encontrar nesse ou naquele álbum, que estará facilmente acessível em uma das plataformas citadas logo acima, bem diferente de antes, quando ouvíamos falar de algo e tínhamos que esperar meses, anos, décadas para ouvir e concluir se o que foi dito naquela resenha antiga tinha algo a ver ou não.

A possibilidade hoje de concordar ou discordar de algo escrito em alguma resenha é em tempo real, muitos sites e blogs inclusive disponibilizam uma espaço para comentários dos leitores.

É inegável que o surgimento de algo “novo”, no sentido de nunca feito antes por qualquer artista/banda, se tornou muito difícil, principalmente se pensarmos em formações mais tradicionais: baixo, bateria e guitarra. Mas aí seria interessante fazer o exercício de procurar qual foi a última banda que fez algo “novo” usando apenas esses elementos. Na mistura de gêneros e uso de elementos para além dos usuais talvez resida algumas propostas mais ousadas e até radicais e não convencionais, algo que poucos se aventuram a ouvir.

Há também que se diferenciar entre o “novo”, de nunca feito antes, e o “original”, relacionado a origem. Se procuramos bandas originais, basta ir atrás daquelas que bebem nas origens do rock: Jerry Lee Lewis, Little Richards, Chuck Berry e contemporâneos. O punk-rock inglês, enquanto gênero  musical, fez isso. Retomou a simplicidade das origens do rock, acrescentou um monte de rebeldia – um visual fabricado pelo picareta Malcom Mclaren -, aproveitou de um contexto social complicado pelo qual passava a Inglaterra e deu no que deu. Somado a isso, explicitaram, inclusive como forma de chamar a atenção, o “desprezo” pela música então vigente” e fizeram do “faça você mesmo” seu lema.

Musicalmente, não há nada de novo no punk-rock. Assim como também não há nada de novo no Rock Progressivo. Talvez o Krautrock seja o que mais se aproxima de algo verdadeiramente “novo”. Mas os três gêneros citados são musicalmente originais, vão buscar nas origens uma forma de dar vida a uma música “nova”, ao acrescentarem novos elementos ou misturarem e diluírem com elementos diversos.

O que foi o Brit-Pop ou a Neo-Psicodelia senão um retorno às origens, aos anos 60? Por outro lado, o que é/foi o Trip-Hop senão uma mistura de gêneros: Hip-Hop, Dub, Jazz com música eletrônica. E o Techno, senão uma extrapolação da música eletrônica por um caminho mais “pesado”. Deixam de ser interessantes por isso? O que foi o Grunge senão um resgate da música feita nos anos 70 com elementos do rock alternativo dos anos 80? E o Post-Rock, o Math-Rock, o rock industrial? Deixam de ser interessantes?

Correndo por fora desses “movimentos” sempre há as chamadas “bandas desgarradas”, que não se enquadram no gênero musical em voga. Podemos citar o exemplo do Sugarcubes, que quando surgiu no final dos anos 80 era uma espécie de alívio em relação a tudo que estava sendo feito naquela época. Musicalmente nada de novo, mas com atraentes elementos de certa estranheza pop que ninguém conseguia enquadrar em nenhum gênero musical vigente, somado a uma vocalista com um timbre bem incomum, Bjork.

Sugarcubes é apenas um exemplo, existem vários ao longo das décadas. Você vai buscar ou vai esperar que alguém lhe apresente? E se alguém lhe apresentar, você dará ouvidos?

Até que ponto o acesso fácil a tanta informação nos deixou tão apáticos, desinteressados, numa espécie de ressaca constante?

Tudo que foi dito acima pode ser trazido para o cenário nacional, onde vivemos um período dos mais produtivos, apesar das dificuldades enfrentadas. Muita banda interessante fazendo álbuns de qualidade, mas ignorados pelo chamado público de rock, que apesar de toda informação disponível, parece sempre desinformado em relação ao que lhe cerca.

Sim, há muitas bandas boas, assim como há muitas bandas ruins, seja no mainstream ou no meio mais alternativo, fica a critério de cada um o que lhe apraz.

Sempre que ouço a frase tão desgastada e já citada lá no início, o que vem à mente são aqueles maridos/namorados que sempre reclamam da esposa/namorada, sempre encontrando a culpa nela para os problemas do relacionamento, mas que nunca fez o exercício de examinar a si próprio e descobrir até que ponto a culpa também é sua. É sempre mais fácil culpar o outro.

 

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2 Comments

  1. Ângelo Fernandes
    08/04/2019

    Relendo esta matéria depois de um ano, só vem à mente o quanto a facilidade do acesso à informação tornou cômoda e apática toda uma geração, principalmente por conta das redes sociais. Por outro lado, tem aqueles comodistas resistentes ao novo no sentido de achar que não se faz mais nada de qualidade ou “original” quanto outrora. Seria bem interessante que um certo conhecido nosso (G) lesse esta resenha para, quem sebe, refletir e tentar retirar pelo menos um milímetro do limo encrustado na sua mente que não permite enxergar a possibilidade que algo atual pode ser muito interessante.

  2. 09/04/2019

    É aquela coisa, Ângelo, ninguém muda ninguém, cada um muda se assim desejar. O texto tem o objetivo de levantar discussões, pena que não aconteceram. Mais uma vez, obrigado pelo seu comentário sempre pertinente.

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