Em entrevista, The Us fala sobre origens, influências, hiato e novo EP


Foto: Curt Martins

A capacidade da música em provocar sensações as mais diversas já foi um sem número de vezes decantada, nem por isso deixaremos aqui de mais uma vez o fazer. Isso porque a palavra mais apropriada para descrever a música esculpida pela banda mineira The US é transporte ou a sensação de transporte. Através de melodias e texturas envolventes e climas às vezes soturnos, que rodopiam em torno de vocais celestiais com certa aura melancólica, o (atualmente) quarteto convida por um passeio no tempo entre sonoridades que tanto podem seguir de mãos dadas com o pós-punk ou dream-pop oitentista quanto com as chamadas heavenly voices ou etherial noventistas, conduzindo para lugares que a mente tende a criar espontaneamente.

Formada em 2012, a partir do desejo do guitarrista/vocalista Lucas Nascimento de montar uma banda e mostrar ao mundo uma série de músicas engavetadas mas que pareciam urgir por serem arranjadas. Já no início de 2013 apresentam a faixa “Life, Crumb, Rest, Slice”, seu primeiro single, cuja letra já iniciava afirmando: “estou queimando por dentro”. Ali já se delineavam algumas das referências que viriam a fazer parte do universo musical da banda, principalmente o lado etéreo.

Ainda em lançam pelo selo The Blog That Celebrates Itself Records o EP de quatro faixas “Free Fall”, mostrando um senso melódico maior do apresentado no single, ressaltando-se também a diversidade de timbres e efeitos guitarrísticos essenciais para se criar as paisagens musicais do grupo. Com destaque para a faixa título, com belo jogo de vozes feminino/masculino, e para a densa “Final Song”.

Segue-se então um intervalo de quase cinco anos entre o lançamento do primeiro EP e “The Sky Was Open”, lançado em maio desse ano. Entre ambos, a participação em coletâneas tributo organizadas pelo selo TBTCI com versões totalmeente pessoais de “Garlands” (Cocteau Twins), “How Soon is Now” (The Smiths) e “Smells Like Teen Spirit” (Nirvana). Com seu segundo EP, a banda prossegue o artifício de expansão de seu universo, permitindo-se transitar inclusive por sonoridades mais “distorcidas”, mas sem perder o senso melódico, uma das marcas registradas do quarteto, somado aos vocais celestiais que as vezes podem soar desesperados quando canta algo como: “Please come save me, I’m just dissapearing” (Por favor, venha me salvar, estou desaparecendo).

The US é Daysi Pacheco (voz), Lucas Nascimento (guitarra/voz), Fernando Prates (baixo) e Pablo Campos (bateria).


Poderiam, de forma resumida, traçar um histórico sobre as origens da banda, como chegaram a essa formação e se estiveram envolvidos em outros projetos antes do The Us.
R: Poderíamos falar que o The Us surgiu a partir de uma série de músicas “engavetadas” compostas pelo Lucas Nascimento. Algumas delas, inclusive, em parceria com outras pessoas, como é o caso de “Final Song”, cuja composição é do Lucas e do amigo, e parceiro musical de longa data, Adriano Bermudes.
Todos os integrantes da banda vieram de outros projetos musicais, mesmo que efêmeros. O Lucas (guitarras) já havia tocado no Bertola e Os Noctívagos, no Sinergia e em outros projetos; o Fernando Prates (baixos) era guitarrista do Carolina Diz e do Spartakus; o Pablo Campos (bateria) já havia tocados em alguns projetos, entre eles, o próprio Sinergia; e a Daysi Pacheco (vocais) chegou a cantar e compor algumas músicas no Venus’ Black Box, que nunca chegou a fazer um show e durou apenas alguns meses.
O The Us, durante um curto intervalo de tempo, passou por algumas formações, principalmente no que diz respeito aos baixistas. A princípio, a banda tinha duas guitarras e, com a saída do Kim Gomes, o último baixista, o Fernando Prates, antes guitarrista, assumiu a função.

Desde o início a opção foi por cantar em inglês? Por que? Pensam em no futuro fazer alguma composição em português?
R: Bom, temos a “Quando os sonhos terminam”, disponível apenas em versão demo, cantada em português. Ela foi uma das primeiras músicas da banda. As demais são cantadas em inglês. Isso se deu de forma bem espontânea, já que o Lucas Nascimento sempre preferiu compor as músicas nessa língua. Além disso, nossas melodias combinam mais com a língua inglesa e as nossas maiores influências chegaram aos nossos ouvidos nesse idioma. Talvez por isso, e talvez pela maior facilidade em ganhar mundo cantando em uma língua universal, tenhamos dado continuidade ao trabalho dessa forma, ainda que as composições sejam atualmente mais compartilhadas. Não podemos dizer que nunca vamos compor em português, mas isso não faz parte dos nossos planos.

Como foi o processo de gravação e produção do primeiro EP?
R: Nosso primeiro trabalho foi o “Free Fall”, disco com 4 faixas, de 2013. O Ep foi gravado no estúdio Pato Multimídia, produzido em parceria com o Leo Moraes e lançado sob a chancela do selo The Blog That Celebrates Itself Records. Na época, além dos integrantes atuais, tínhamos no baixo o Joy Castro, que também cantava duas músicas com a Daysi Pacheco.
Junto com o EP “Free Fall”, foi lançado o videoclipe da música homônima, com a direção do Joy Castro.

Como chegaram ao selo “The Blog That Celebrates Itself” e de que forma isso contribuiu na divulgação do trabalho de vocês?
R: Certa vez, vimos um comentário do Renato Malizia, dono do selo e hoje em dia um querido amigo, em um compartilhamento que alguém fez de uma de nossas demos. Então, o Lucas Nascimento teve a ideia de entrar em contato com ele. O Malizia foi extremamente receptivo e curtiu muito o nosso som. Inclusive, ele nos deu a honra de vir a BH discotecar no lançamento do Ep Free Fall e ainda trouxe a tiragem que fizemos do EP, que foi prensado lá em SP.
Após isso, fomos convidados para participar de alguns tributos lançados pelo TBTCI. Fizemos versões do Cocteau Twins, do Smiths e do Nirvana. A partir de então, tivemos uma ótima divulgação do nosso trabalho, ganhando fãs pelo Brasil em várias partes do mundo. O TBTCI é, sem dúvidas, um grande parceiro nosso e nos fez crescer muito.

Como foi participar das coletâneas do selo em tributo ao Cocteau Twins, The Smiths e Nirvana, são bandas referências?
R: Foi uma grande felicidade e um desafio poder participar desses trabalhos, além de uma oportunidade de explorarmos outras nuances musicais que possuímos. Sempre nos propusemos desmembrar essas músicas, mudar os arranjos, fazer, de fato, uma versão, desconstruir. Como foi dito, essas participações nos abriram alguns caminhos, inclusive belas palavras escritas em alguns blogs/revistas. Essas bandas são, com certeza, grandes influências nossas. Inclusive, uma das características que mais marcam o The Us é a sua miscelânea de influências.

Sendo pesquisadores musicais, logo trazendo uma gama de referências/influências, como conseguem condensar tudo isso?
R: Ao “fagocitarmos” várias referências musicais, acabamos criando um jeito muito nosso de fazer música. Cada integrante carrega suas influências particulares, o que nos leva a esse resultado. Claro que, quando você concebe o conceito de algum projeto, é necessário dar um direcionamento, para não virar uma “salada”. O Lucas foi quem convidou todos os integrantes pra banda, e no começo as composições já apontavam para um caminho, que foi amadurecendo e se evidenciando com a contribuição de todos. As guitarras do Lucas, por exemplo, carregadas de efeitos, têm muito de Shoegaze/Dream Pop, mas dialogam também com o Post Punk, com influências como Cocteau Twins, The Cure, Echo and the Bunnymen, Ride, MBV… Fernando é um fã declarado de Pixies, Sonic Youth, Cocteau Twins e outros trabalhos, o que é expresso em qualquer instrumento que ele toca. Pablo tem diferentes influências musicais, desde o punk, passando por outros estilos, até o Indie Rock, o que dá à sua batera um certo swing e um jeito único de tocar. Já a Daysi Pacheco é fã declarada de vocais de Dream Pop, Shoegaze, Trip Hop, Post Punk e até New Age e vem de uma linha lírica de estudos, tendo, dentro da música alternativa, a Liz Fraser, a Lisa Gerrard, a Beth Gibbons, a Tori Amos e outras cantoras como referência. Portanto, essas várias influências são condensadas nas músicas através da performance de cada integrante, que se soma a um todo, que é a The Us.

Cinco anos entre “Free Fall” (2013) e “The Sky Was Open” (2018), o que aconteceu nesse intervalo e por que tanto tempo entre os lançamentos?
R: Alguns fatores da vida pessoal dos integrantes acabaram interferindo nos projetos da banda, o que resultou nesse hiato de cinco anos entre um lançamento e outro, embora nunca tenhamos parado de compor ou de nos encontrar. A propósito, dentro desse hiato foi que lançamos duas de nossas versões que se incorporaram às coletâneas do TBTCI: “How Soon Is Now?” (The Smiths) e “Smells Like Teen Spirit” (Nirvana). A produção do EP “The Sky Was Open” foi feita entre os anos de 2014 e 2015, incluindo todo o período de composição, pré produção, mixagem e, por fim, a master. Antes do lançamento do Ep, também vieram ao mundo dois singles, que são duas músicas que fazem parte do disco: “I Will Get Numb” (juntamente ao seu videoclipe, com a direção do Pablo Camplos) e “Dreams”, lançados em coletâneas do TBTCI, inclusive a última delas chancelada pela DKFM (USA).

O que poderiam falar sobre o novo EP? As canções que o compõem surgiram nesse hiato entres os EP’s?
R: A maioria delas sim. Outras são músicas que não estavam totalmente “no ponto” para fazerem parte do nosso primeiro disco. Com o passar do tempo, essas músicas já existentes foram ganhando uma nova roupagem, o que traduz muito bem os novos caminhos trilhados pela banda, principalmente no que diz respeito aos arranjos. Lembrando que quem estava nos baixos nessa época era o Kim Gomes. O Sky Was Open também marca uma fase de maior compartilhamento com relação às composições. Mas a essência da sonoridade do The Us foi totalmente mantida: o som etéreo, através da experimentação de timbres, e o aspecto existencialista das letras das músicas.

Em termos de produção “The Sky Was Open” soa bem melhor que “Free Fall” e musicalmente mais “resolvido”, vocês tem essa percepção?
R:A produção também foi feita em parceria com o Leo Moraes, ou seja, foi a mesma do “Free Fall”. Isso nos leva a acreditar que o fato dessa produção soar melhor, o que também notamos, passe por uma questão de amadurecimento da banda. Esse aprimoramento é algo natural, pois buscamos sempre o crescimento enquanto artistas, processo este que pode ser notado no entremeio das próprias versões que fizemos, durante o hiato entre os Ep’s.

Por que canções como “Cities”, “Someday” e “Beauty and Poetry” ficaram de fora dos EP’s? Elas podem a vir a ser lançadas posteriormente?
R: Essas demos foram gravadas quando o The Us ainda estava passando pelo processo de construção de sua identidade. Definiam, junto com aquelas que ganharam gravação oficial, como “Final Song” e “Bad Seeds”, alguns possíveis caminhos a seguir. Talvez por isso não tenham sido lançadas oficialmente, o que não impede que sejam, em algum momento, revisitadas e, aí sim, lançadas.

Há na música de vocês um lado que remete as chamadas Heavenly Voices, geralmente bandas darkwave/ethereal, principalmente nos vocais de Daisy, fazem parte das referências da The Us?
R: A Daysi Pacheco tem muita influência das vocalistas Liz Fraser e Lisa Gerrard, leia-se Cocteau Twins e Dead Can Dance, respectivamente, bandas estas assinadas pela gravadora 4AD, que foi referência de trabalhos do estilo na década de 80. O Lucas Nascimento também é um grande amante de bandas que possuem vocais etéreos/ darkwave, além de ser um grande admirador do Robin Guthrie. Isso provavelmente explica o fato de o nosso som ter também esse lado.

Diferente de algumas bandas do gênero, na música de vocês os vocais não são soterrados, mas bem audíveis, o que poderiam falar a respeito?
R: Sim, geralmente os vocais do gênero são soterrados, mas são linhas de vozes mais simples, quase uma cama. Os vocais da Daysi possuem nuances delicadas, sinuosas. Algo para ser valorizado e estar em evidência. Citando novamente a banda, o Cocteau Twins é uma grande referência nesse aspecto. Além disso, a principal proposta da banda sempre foi não se prender totalmente a gêneros específicos, mas misturar vários gêneros afins.

Em termos sonoridade, sentem-se próximos de alguma banda nacional?
R: Fica difícil falar necessariamente em semelhanças. Mas, de alguma forma, dialogamos com os trabalhos de bandas como Céus de Abril (Parauapebas-Pará), Travelling Wave (Piracicaba-SP), Lava Divers (Araguari-MG), Bela Infanta (Joinville- SC), I Kill Kane (Curitiba-PR) e Miêta (Belo Horizonte), que são todos lindos, inclusive.

Quais artistas/bandas escutaram recentemente que chamou a atenção e recomendariam?
R: Conhecemos todos os trabalhos da pergunta anterior de uns 5 anos pra cá e são bandas altamente recomendáveis Made in Brazil! Além delas, tem a Winter Waves (Rio de Janeiro-RJ) o Não Não-Eu (Belo Horizonte-MG) e outras pepitas brasileiras. Com relação a bandas internacionais, The Shacks (EUA), Sales (EUA), I Break Horses (Suécia), Cats of Transnistria (Finlândia), Lightning Bug (EUA), Soundpool (EUA) e Jonathan Bree (Nova Zelândia) são trabalhos que vale muito a pena conferir!

Além de música, quais outras formas de arte lhes atraem?
R: Em geral, Cinema, Artes Plásticas, Literatura e Fotografia.

Poderiam nos contar algum fato inusitado que aconteceu com a banda em algum dos shows?
R: Há várias histórias, mas vamos citar apenas algumas. Uma vez estávamos fazendo um show, dentro de um festival, em um Centro Cultural de BH. O espaço funcionava em uma casa, e o palco era montado num grande quintal. Éramos a última banda do dia e fomos surpreendidos com a chegada da polícia para embargar o show. Eles fizeram a leitura dos decibéis e, pelo volume que precisaríamos para continuar o show, preferimos encerrar. Teve uma vez também que estávamos fazendo um show n’A Obra, casa tradicional de BH. Nesse dia havíamos bebido um pouco a mais (era o último show de um ex baixista e estávamos meio “brigados”). Ele chegou no microfone, falando totalmente ébrio, do nada: “eu queria mandar um beijo pra minha namorada”. AHAHAHHAHAHAHAHAH
Isso sem contar uma outra ocasião, também n’A Obra, em que a Daysi perdeu o cabo do microfone no meio do show e “Final Song”, por um momento, foi uma canção meramente instrumental.

Se pudessem escolher uma banda para abrir os shows, qual seria e por que?
R: Há várias. Uma das coisas que mais temos prazer é conhecer bandas novas, trocar experiências, vivências, sonoridades. Temos a filosofia de que a cena só acontece se crescermos juntos.

A The Us tem urgência de quê?
R: Agora que voltamos repletos de energia, depois da pausa, estamos sedentos para tocar, mostrar em todos os lugares possíveis (fazer muitos shows) nosso som recém- lançado, isso associado ao processo de composição nosso que é constante (temos várias músicas no forno, que estão sendo trabalhadas e serão agregadas ao repertório à medida que estiverem prontas), visando o lançamento de um álbum cheio. Além disso, já temos todo o escopo e roteiro prontos para a filmagem de um novo videoclipe, que sai agora no segundo semestre.

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