‘Vastidão da Noite’ emula com estilo e propriedade produções Sci-Fi


Uma das principais concorrentes da Netflix no Brasil, a Amazon Prime Video tem investido tanto em  produções próprias como em produtos que já passaram pela própria Netflix. Muitas dessas produções são de baixo orçamento, o que não significa produções ruins. Várias são oriundas de festivais e produtoras independentes. Algumas são boas produções e merecem ser vistas por um maior público possível: Blow the Man Down, Troop Zero, Midsommar (excelentes!) são exemplos.

Vastidão da Noite teve sua primeira apresentação no Slamdance Film Festival em janeiro de 2019. Com boa aceitação de público e crítica, seguiu sendo apresentado em vários festivais independentes mas sem conseguir distribuição para a exibição nos cinemas, algo que seguiu-se com o início da pandemia. Coube ao APV adquirir os direitos de exibição, algo que aconteceu com vários outros filmes para minimizar prejuízos.

O filme teve lançamento quase que simultâneo nos EUA e no Brasil, com uma diferença de apenas 14 dias, chegando in terra brasilis no dia 29 de maio do presente ano, entrando no catálogo sem fazer muito estardalhaço.

O filme se apresenta como um episódio de Além da Imaginação (The Twilight Zone). Tudo é feito para para provocar essa impressão, desde a câmera que remete ao programa clássico, a chamada de abertura, os filtros utilizados, há um tom nostálgico que busca a memória afetiva do expectador. No instante que comecei a ver o filme, veio à memória minha adolescência, vezes e mais vezes em que assistia a série Amazing Stories altas horas da madrugada, descobrindo o mundo das produções Sci-Fi.

Com roteiro, direção e edição de Andrew Patterson, o filme tem início em um jogo de basquete do colégio. A cidade inteira está nas arquibancadas. Dois alunos do ensino médio, Everett (Jake Horowitz ) e Fay ( Sierra McCormick), saem do jogo e atravessam a cidade deserta para seus empregos noturnos. Ele apresenta um programa de rádio noturno, e ela comanda a mesa telefônica da cidade. Logo eles percebem que algo estranho está acontecendo e decidem descobrir o que é. Basicamente, o filme se resume a isso. A forma como a história é contada é onde se encontra o seu charme.

Tudo esse desenrolar é território conhecido. Quem já viu Além da Imaginação (como já falado anteriormente), Arquivo X, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, e uma infinidade de outras obras pode não conhecer a história, mas percebe suas influências, e isto não é uma característica que desqualifica a produção, pelo contrario, a torna mais familiar.

O filme poderia se perder nas próprias armadilhas de gênero em que se situa, mas é justamente o contrário, os roteiristas James Montague e Craig W. Sanger, além do próprio Andrew Patterson, colocam o filme em um enquadramento de um TV em preto e branco, apresentando um episódio de um programa “Hora do Teatro do Paradoxo”. Isso faz com que o espectador já se distancie de toda a ação. Isso é perceptível imediatamente na sequência de abertura, uma longo plano sequencia sinuoso, seguindo Everett e Fay enquanto eles caminham pelo ginásio e, em seguida, saem para o estacionamento, conversando o tempo todo.

A coisa mais óbvia de cara é que não há closes, nada que nos familiarize com os personagens. O diálogo deles é rápido e sobreposto, repleto de gírias, e leva algum tempo para descobrir do que eles estão falando. Isso continua durante toda a caminhada pela cidade vazia. Todo esse contexto criado, traz para uma certa estranheza e um mistério que vai numa crescente, quando somos apresentados aos seus rostos ou closes já estamos afeiçoados aos dois protagonistas pelo simples fato de segui-los.

Há de se destacar o apuro ou até mesmo virtuosismo técnico presentes em diversos momentos, nesse citado plano de início e em mais dois outros planos, um deles numa espécie de rastreamento através do que parece ser a cidade inteira. Outra cena de destaque é uma tomada única de dez minutos em que Fay, na mesa telefônica, atende, faz ligações. É uma sequência complicada e Sierra McCormick lida com tudo com confiança e habilidade. O estilo de Patterson é flexível e paciente o suficiente para permitir sombras e nuances.

A fotografia do filme é um primor de beleza, por mais que apresentem cenas com pouca luz, essa “ausência” de iluminação é proposital, pois o que chama a atenção está nos diálogos, muitas vezes passando informações importantes. Os carros com suas barbatanas, os sapatos de sela, os óculos de gato, as referências do Sputnik, nos colocam na época em que a história se passa. Outra característica que enriquece a narrativa é o uso de cenas que tem inicio em preto e branco emulando TV’s antigas. A sensação é de estar vendo um programa em uma TV antiga, mesmo em uma tela 16:9.

+++ Leia a crítica de ‘Blade Runner 2049’, de

Com todos os detalhes expostos, coube a trilha sonora, muito bem explorada, trazer a sensação constante de alerta. A impressão que se tem é de algo prestes a acontecer a qualquer momento. Outra coisa que vemos é o desaparecimento gradativo da visibilidade de uma imagem no final de uma sequência; escurecimento enquanto o som continua, os tais, fade outs, como se fosse um rádio antigo em transmissão.

Vastidão da Noite é um exemplo de como um cineasta talentoso sabe trabalhar com as ferramentas que estão a sua disposição. Com um orçamento que saiu praticamente do seu bolso, Andrew Patterson, apresenta um produto de qualidade, que tem sua força narrativa nos diálogos excelentes. Imaginamos o que um diretor que demonstrou tanta capacidade em seu primeiro longa teria feito com um orçamento maior.


Vastidão da Noite, poster

FICHA TÉCNICA:

Título Original | Ano: Vast of Night | 2020
Gênero: Drama, Mistério e Sci-Fi
País: EUA
Duração: 1h31min
Direção: Andrew Patterson
Roteiro: Andrew Patterson e Craig W. Sanger
Elenco:  Sierra McCormick, Jake Horowitz, Gail Cronauer, Bruce Davis, Cheyenne Barton  e outros.
Data de Lançamento: 09 de maio de 2020 (Brasil)
Censura: 14 anos
Avaliações: IMDB | Rotten Tomatoes

 

 


 

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