CRÍTICA | Fleet Foxes – Shore


Fleet Foxes Band Photo

Fleet Foxes se fortalece no passado e explora possibilidades para o futuro em “Shore”

2020 é um ano que ficará para a história, infelizmente de uma forma mais negativa do que positiva. Por conta da pandemia do Covid-19, muitos terão uma amarga lembrança desses tempos. A perda de parentes e amigos pelo vírus tem sido uma triste rotina (e há quem não acredite na seriedade do fato). Não poder se despedir de amigos e entes queridos, muitos enterrados em covas abertas e espalhadas aleatoriamente, pode deixar a lembrança ainda mais cruel para quem segue vivo.

Robin Pecknold, líder e vocalista do Fleet Foxes, viu sua cidade tomada pelo isolamento, e o sentimento de pesar foi uma constante desde então devido a morte de amigos próximos. Para o músico, se fortalecer na música, compor e compartilhar isso com o mundo pode ser o alento, o alívio necessário. Dessa forma, chegou Shore, um disco lançado de surpresa, embora o músico já trabalhasse em silêncio na composição de algumas faixas por dois anos (2018 a 2020). Da mesma forma, o álbum foi gravado em cidades diferentes (Los Angeles, Nova Iorque e Paris) indicando um processo sistemático de finalização.

Com 34 anos e numa situação nivelada por conta da maturidade e da segurança fortificada em quatro álbuns bem produzidos, Pecknold também diz que Shore pode chegar como uma forma de tributo a artistas que morreram prematuramente e que não tiveram a mesma oportunidade dele, entre os quais cita Elliott Smith, Arthur Russell e Judee Sill.

Três anos atrás, o lançamento de Crack-Up (2017) aconteceu em meio a uma turbulência em que banda tinha até intenção de parar as atividades. Pecknold passava por uma crise existencial e alguns companheiros saíram para outros projetos musicais. Por sua vez, Shore surge através de uma banda bem segura de si, chega de forma arriscada sobretudo se pensarmos nessa época sombria onde passamos a questionar mais sobre a fragilidade da vida e lidar com o luto.

Muito menos pessoal e com certas inovações na carreira da banda, o novo álbum confirma a retomada do Fleet Foxes após as incertezas de 2017. Fugindo um tanto da regra do disco anterior, esse é um álbum sem músicas fragmentadas ou com rupturas, deixando arranjos mais complexos de lado, dando lugar a canções diretas de melodias e refrãos que funcionam de primeira (“Maestranza” e “Jara”). Embora esse seja até agora o álbum mais longo e com o maior número de faixas na discografia dos americanos.

A adição de vocais femininos (cortesia da cantora Uwade Akhere) logo na abertura com “Wading In Waist-High Water” aprimora a dinâmica sonora que o Fleet Foxes vem construindo a cada trabalho, revelando também um grupo abrindo espaço para outros talentos não tão conhecidos. Inclusive, o grupo inclui na lista de participações inúmeros artistas norte-americanos como Aaron Dressner (The National) e Cristopher Bear (Grizzly Bear).

A ensolarada “Going-To-The-Sun Road” tem a participação do brasileiro Tim Bernardes (da banda O Terno). Olhando para a música que circula no mundo, não apenas em seu país, Fleet Foxes encontra possibilidades sonoras agora e para o futuro (como ocorreu com David Byrne e seu Talking Heads nos 80’s).

“Sunblind” e “For A Week Or Two” são composições com belíssimos arranjos, contudo ambas carregam uma das características fortes do grupo amplamente consolidada nesta década: as harmonias e estruturais vocais típicas do The Beach Boys.

Dentro do conceito da banda, existe sim um trabalho ainda preocupado com os arranjos rebuscados. Os sopros encorpados de “A Long Way Past The Past” e a relação harmoniosa entre piano vintage, cordas, sopros e coro de vozes que funciona na delicada “Quiet Air/Giola” resumem bom o grupo e seus quatro discos lançados.

Os fãs do gênero Indie-Folk estão seguros. “Featherweight” e “Thymia” são duas faixas que podem ser incluídas como duas das melhores canções feitas dentro do gênero em 2020. A simplicidade do panorama acústico em união com o lirismo vocal de Pecknold. Em contrapartida, “Can I Believe You” e “Cradling Mother, Cradling Woman” são faixas que se esquivam para uma estrutura próxima a de um Rock, baseadas num instrumental mais enfático e com guitarras em maior evidência.

Para muitos, pode ser hipocrisia em tempos amargos fazer um trabalho alegre, convidando o ouvinte a sair sorrindo nas ruas depois de cada audição. Cada faixa na mente, ainda sendo saboreada. Para outras pessoas, é um alívio. Quem sabe até, pode ser necessário. Acrescenta um sopro de esperança ao nosso redor. Shore é um álbum que sai no início da Primavera e certamente ficará um longo tempo em sua mente mesmo no Verão. E quem sabe ainda fique por muito tempo em 2021, talvez num tempo que contamos com dias melhores.

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Fleet Foxes - Shore Cover

INFORMAÇÕES:

LANÇAMENTO: 22/09/2020
GRAVADORA: ANTI-
FAIXAS: 15
TEMPO: 54’22’
DESTAQUES: “Wading In Waist-High Water”, “Going-To-The-Sun Road”, “Can I Believe You” e “Featherweight”
PARA FÃS DE: Folk-Rock, Americana, The Beach Boys, Grizzly Bear, Bon Iver

 

 

 


O ÁLBUM:


O VIDEOCLIPE DE “CAN I BELIEVE YOU”:

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