CRÍTICA | James Dean Bradfield – Even in Exile


james dean bradfield

Even In Exile funciona como um refúgio histórico pela vida do ativista político chileno Víctor Jara de forma graciosa, bela e nostálgica. Um mergulho pela vida e obra de um artista que cantou sobre sonhos e injustiças.

Víctor Jara foi um poeta, musico, compositor e ativista político chileno que foi brutalmente assassinado no golpe de estado liderado pelo general Augusto Pinochet, em 11 de setembro de 1973. A voz e a obra de Jara transita pelo tempo desde de então. Seu legado é inspiração e motivação para lutar e resistir ao fascismo.

Durante os protestos no Chile, no ano passado, quando milhares de chilenos reuniram-se para pedir a renúncia do presidente Sebastian Pinera, foi ao som de “The Right to Live in Peace”, de Víctor Jara. E é nesse contexto histórico de vida, de lutas e resistência, que surgiu a inspiração para James Dean Bradfield, o frontman da banda Manic Street Preachers, criar seu mais novo álbum solo após longos catorze anos.

Even In Exile é um álbum totalmente temático baseado na obra e vida do músico e ativista político Víctor Jara. Bradfield contou com a parceria de Patrick Jones irmão mais velho de Nick Wire, baixista do Manic. O álbum contém onze faixas assinadas pelo dois. A única música que não é da dupla é “La Partida”, uma interpretação da música instrumental de Víctor Jara, lançada oficialmente no LP “ El Derecho de Vivir Em Paz”, de 1971.

Para James, o conceito das canções contidas no álbum soa como uma narrativa da vida de Jara e suas ideias que continuam relevantes até hoje. O álbum abre um paralelo com os dias atuais, onde o momento político é condizente para a volta do fascismo.

O projeto do álbum começou por volta de 2016, quando Patrick Jones, após ouvir algumas coletâneas em vinil de Jara, se tornou um fissurado pelas canções do músico chileno e passou a escrever inúmeros poemas. Jones dividiu esse fascínio com Bradfield e ambos começaram a desenvolver as canções.

Mas não foi daí que veio o primeiro contato de James com a obra de Jara. Como um fã declarado do The Clash, ele conhece bem a canção “Washington Bullets”, onde a banda relata o imperialismo, passando pela Revolução Cubana de 1959, o levante dos sandinistas na Nicarágua e citando o golpe no Chile: “Como toda célula no Chile vai dizer/ Os gritos dos homens torturados/ Lembre-se de Allende e o dia anterior/ Antes da vinda do exército/ Por favor lembre-se de Víctor Jara”.

James Dean Bradfield é conhecido pelo seu posicionamento político na banda Manic Street Preachers, formada no país de Gales em 1986. Um dos grupos mais politizados do Rock britânico com um viés político de esquerda. Em 2001, eles se tornaram a primeira banda de renome a tocar em Cuba, no Teatro Karl Marx, para uma plateia que contou com o finado Fidel Castro.

Even In Exile contém todo esse viés político retratado em suas canções, que abordam desde a infância de Jara até suas ideias e filosofia de vida que revolucionou o Chile. Ouvindo o álbum é possível traçar uma linha paralela com a canção “If You Tolerate This Your Children Will Be Next”. que o Manic Street Preachers lançou no álbum This Is MyTruth Tell Me Yours, de 1998. Canção que faz referência à Guerra Civil Espanhola e aos voluntários do País de Gales, que se juntaram aos lutadores espanhóis que combatiam os exércitos do ditador Francisco Franco.

É olhando o álbum desse ponto de vista que conseguimos enxergar sua proposta e contexto histórico contido em suas letras. Você pode até se engajar na política, falar sobre ela, escrever sobre ela, cantar sobre ela, mas já pensou como essas pessoas sacrificaram tudo por um ideal?

Algo que realmente contextualiza com nossa realidade atual. E cai bem para essas pessoas que ficam em redes sociais brigando e ofendendo para defender posição política. Olhem-se no espelho e lembrem-se disso: Víctor Jara realmente morreu pelo o que ele acreditava.

O disco abre um diálogo com ouvinte como uma espécie de alerta do perigo do fascismo que volta a predominar no mundo. Passa a ideia de que “se continuarmos a tolerar isso nossos filhos serão os próximos”. A abertura é com a bela e harmônica “Recuerda” um soco na boca do estômago. Uma canção que começa com acordes de violão e explode em um bom Rock no estilo Manic. Uma ótima porta de entrada para o contexto e promessa do álbum: “As canções que dão as boas-vindas/ Canções que avisam/ Para um futuro/ Isto ainda está para nascer”. Uma música que deixa a importância de relembrar e nunca esquecer daqueles que sacrificaram suas vidas por um ideal. Ou até mesmo aqueles que tiveram suas vidas ceifadas de forma mais cruel existente. Vamos relembrar Marielle Franco e George Floyd, vidas negras importam sim!

“The Boy From The Plantation” é um passeio pela vida de Jara. Uma linda canção que fala sobre os ideais de vida e do legado que ele deixou com sua obra: “Víctor Lídio Jara Martinez/O menino da plantação eles não puderam reprimir/Que dedilhava e cantava para sonhos e injustiças”. Uma canção que abre um paralelo com as censuras que começam a ser impostas aqui e em vários outros países. Serve como um alerta para abrir os olhos para indícios de uma possível volta do autoritarismo e da censura. Obtivemos exemplos claros aqui no Brasil com a censura das obras cinematográficas que só poderão concorrer ao Oscar se o viés do filme for alinhado com o (des) governo. Abre reflexão.

As cargas estratosféricas contidas no Rock de Bradfield batem mais forte, adquirindo uma ressonância política mais aberta e ampla, em canções como “Thirty Thousand Milk Bottles”, com arranjos impressionistas e toques de violão espanhol e metais latinos que evocam o calor sul-americano para avisar sobre uma guerra desolada e mecanizada promovida pelo governo Pinochet. “From the Hands of Violeta” segue o mesmo viés, e faz a referência a Violeta Parra, compositora e cantora chilena e reconhecida como mãe do Folk latino-americano e umas das grandes influências de Jara.

“The Last Song” soa progressista e psicodélica, lembra Pink Floyd e deságua em um pop celestial. Ela enfatiza a beleza emanada nesse belo álbum temático e contextualizado com a realidade dos dias atuais. Uma verdadeira e nostálgica homenagem. Um álbum bonito, melódico e certeiro, que vai fundo na alma. Quem sabe a proposta desse conceitual álbum não seja agir assim como o The Clash foi para James Dean, possibilitando-o conhecer a obra de Víctor Jara? Quem sabe não venha a ter o mesmo conceito histórico para que novos fãs e ouvintes conheçam o legado deixado pelo ativista chileno?

CANÇÕES DE DESTAQUE: “Recuerda”, “The Boy From The Plantation”, “Thirty Thousand Milk Bottles”, “From the Hands of Violeta” e “The Last Song”.

TAMBÉM PODE INTERESSAR:

MANIC STREET PREACHERS – RESISTANCE IS FUTILE (2018)
12 ÁLBUNS ESPERADOS DE 2018


O ÁLBUM:


O LYRIC VIDEO DE “THE BOY FROM PLANTATION”:

Previous Ousel e a versão "home session" de 'Mistaken'
Next CRÍTICA: Indiecalypse (JanduSoft, 2020)

No Comment

Leave a reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *