‘Sombras da Vida’ é contemplativo sobre a passagem do tempo e a efemeridade da vida


Embora lide com alguns aspectos do além-morte e o protagonista seja um fantasma, “Sombras da Vida” não é um filme de terror ou suspense sobrenatural. O filme brinca com os tradicionais clichês sobre espíritos que não descansam e os lugares que eles assombram, valendo-se de uma abordagem mais voltada ao drama existencial. A narrativa espiritualista sugere e provoca muito mais reflexão do que os sustos fáceis causados por obras que retratam esse tipo de personagem, e consegue fazer algo bem diferente do que o cinema de assombração produziu até agora.

A história acompanha até certo ponto um jovem casal, interpretados de maneira brilhante por Casey Affleck e Rooney Mara, até que a morte prematura dele em um acidente de carro, os separa. Logo em seguida, ele, já transformado em fantasma, se arrasta até a casa na qual vivia com a esposa, onde passa a “assombrá-la”, passando os dias a observá-la passivamente em sua nova forma espectral.

Impossibilitado de sair da casa, de falar, de tocar e de interagir com o mundo dos vivos, o impulso inicial do fantasma vai perdendo o sentido enquanto ele se percebe um ser eterno, isolado e solitário. Isso acaba transformando o filme em um estudo muito rico e complexo sobre as transformações impelidas pela ação do tempo no mundo a nossa volta, bem como a tentativa nata e muitas vezes inútil que o ser humano tem de querer perdurar, deixar sua marca na história, através da procriação, da literatura, da música ou outra forma artística, enquanto passa por essa breve existência.

“Sombras da Vida” é destinado a ser um filme cult para audiências restritas, porém sua bela visão da vida e da morte será adorada e discutida calorosamente com o passar dos anos.

Foi filmado de maneira independente e com um orçamento irrisório, tanto que o fantasma nada mais é do que um ator coberto por um lençol branco com furos no lugar dos olhos, remete a ludicidade das fantasias que as crianças usam no Halloween americano, conferindo um ar de melancolia infantil difícil de ignorar.

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Percebemos que essa falta de aporte financeiro conferiu ao talentoso diretor e roteirista David Lowery (Meu Amigo, O Dragão, Amor Fora da Lei) muita liberdade criativa e o controle total de sua obra. Então testemunhamos em cada cena exatamente o que o diretor deseja, e ele tem personalidade suficiente para não se importar muito com o grande público. Isso se reflete em um trabalho extremamente autoral que se dá no próprio estilo arrastado do filme, com algumas sequências que se estendem bem mais que o normal, testando a paciência e a capacidade contemplativa do espectador.

Importante salientar que o filme é curto e não cansa nem mesmo nas cenas mais alongadas, pois elas sempre trazem significados e informações pertinentes e importantes para entendermos os sentimentos das personagens e acabam causando a imersão sentimental necessária para apreciarmos essa diferente jornada.

Tudo nesse filme é positivamente ambicioso e de uma inspiração ímpar. A trilha sonora forte e belíssima do Daniel Hart, mais conhecido como violinista dos grupos Broken Social Scene e The Polyphonic Spree, presenteia os ouvidos o tempo inteiro. O formato da tela na proporção 4:3 e com as bordas arredondadas, mesma das antigas TVs de tubo e das fotos em Polaroid, causam um sentimento de nostalgia e claustrofobia, remetendo propositadamente à memórias mais preciosas sobre uma época que já passou e ao enclausuramento do protagonista.

+++ Leia a crítica de ‘Vingadores – Guerra Infinita’, de Anthony Russo e Joe Russo 

Tudo isso, somado a uma edição certeira, realizam cenas inacreditavelmente simples e eficientes sobre a passagem do tempo, usando o minimalismo engenhoso de cortes secos para retratar meses, anos e até séculos em questão de segundos.

“Sombras da Vida” é um exercício imaginativo, inspirador e triste sobre como o espírito de alguém enxerga a vida, sem fazer mais parte dela. Trata-se de um estudo artístico e muitas vezes poético sobre o amor, a vida, a morte e o tempo observados pelos olhos etéreos e distantes de um mero fantasma.


FICHA TÉCNICA:

Gênero: Drama, Fantasia, Romance
Duração: 1h32min
Direção: David Lowery
Roteiro: David Lowery
Elenco: Casey Affleck, Rooney Mara, McColm Cephas Jr. e outros.
Lançamento: 27 July 2017 (Australia)
Censura: 12 anos
IMDB: Sombras da Vida

 

 

 


 

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