Apesar dos anos, ‘Street Fighter II’ continua imbatível, sobretudo em seu gênero



O ano era 1991. Minha preocupação maior, então com 18 anos de idade, era terminar a Escola Técnica que vinha fazendo. Queria logo buscar um emprego, ter uma autonomia maior, apesar de que desde os 13 anos de idade ajudava minha mãe em sua lanchonete. A perda muito cedo de meu pai fez com que eu me virasse logo, procurasse por obrigações prematuramente.

Como todo jovem, tinha meus momentos de lazer para aliviar a correria do cotidiano. Enquanto os amigos da minha idade faziam questão de empinar pipas se arriscando no meio de asfaltos com carros velozes ou de esfolar o joelho em peladas vespertinas de rua, digamos que sempre optei pelo lazer mais intelectual, menos físico. Via nos fliperamas então uma fuga de meus árduos estudos. Na época, fliperamas eram tão comuns quanto locadoras de filmes. O verdadeiro jogador saía à busca de bons estabelecimentos, aquele com as máquinas mais recentes, comentadas ou mais inovadoras. Escolhia sua máquina preferida e quanto mais acostumado a ela (na linguagem antiga, ‘viciado’), mais rendia aquela ficha comprada com suor.

Foi assim que no meio de máquinas da Taito (tradicionais na época) e entre pinballs (nunca fui experiente nessas), descobri uma máquina lá no canto, com cabine amarela, porém com uns 5 jogadores próximos a ela, curiosos. O nome? Street Fighter II. Jogo de luta. Nunca fui muito fã, confesso. Optei sempre pelo jogo que interagia com minha criação, adorava quebrar a cabeça com puzzles e jogos de plataformas ainda eram meus preferidos porque assim eu me criei desde os tempos do Atari 2600.

Mas Street Fighter II tinha algo de especial. E eu precisava conferir. Tanto que o fliperama colocou duas máquinas em seguida. E viviam cheias. Como eu sempre escolhi enfrentar a AI*, jogava num horário menos visado, com muitos jogadores estudando, para não me deparar num game over contra um viciado (já explicado aqui esse termo). O jogo era insano, para os padrões da época. Um indiano que esticava suas pernas e braços? Um general que vinha como forma de tocha humana (algo assim)? Um bicho verde que dava choque e urrava (e ainda era do Brasil)? Poderes como lançar uma bola das mãos? E foi coisa de dois meses, talvez menos, já escutava na minha rua e na escola: ‘Hadouken, Hadouken!’ Uns ainda faziam o gesto como se fossem o Ken soltando o poder (até hoje icônico no mundo todo).

Era gostoso sair entre outros jogadores e dizer: terminei o jogo. ‘Mas, como passa o Bison?’, alguém perguntava. ‘Ele é um chefe muito difícil’. E eu, no meu bairro, fui um dos únicos que terminou o jogo com aquele militar loiro que dava um golpe poderoso e que a cada vitória, imaginem só, penteava o cabelo todo arrepiado (o tal do Guile). Enquanto colocaram o japonês Ryu e o americano Ken num pedestal, eu provei que todos os jogadores eram igualitários. Um colega meu foi mais além, preferia o toque feminino da chinesa Chun-li, e terminou com ela. Chegou um ponto que o pessoal ficava com medo de nos enfrentar. Com apenas uma ficha, o final do jogo era certo.

Máquinas novas chegaram. A febre então havia baixado. Fliperamas começaram a fechar. A tranquilidade de se jogar em casa num console ou num PC falaram mais alto. O jogo poderia ser jogado em seu monitor, nada de gastar com fichas agora. Apesar disso, ainda preferia aquele controle do arcade. Como na gíria dos jogadores, o golpe com ‘meia-lua’ era muito melhor ainda. Por sorte e ironia do destino, meu irmão chegou a ter uma máquina do jogo (não alugada, comprada mesmo) num fliperama que teve por um tempo. Foram tardes de disputas acirradas, meu irmão que nunca foi tão fã de jogos, deu o braço a torcer para SFII.

Deixo a entender que a Capcom criou um ‘monstro’. Mesmo com inúmeras continuações, edições especiais, até versões em 3D que chegaram posteriormente, Street Fighter II continua imbatível, sobretudo em seu gênero. Em seu impacto, na influência que trouxe, na própria história da produtora que depois voltou a inovar com o excelente Resident Evil 1. Seja naquela chamativa abertura, talvez na jogabilidade nada complicada, no ato de criar ícones até então inesquecíveis (Ryu, Ken, Chun-li, Guile), SFII merece minha confirmação de ser um dos 10 melhores jogos até hoje, e até parei de torcer a cara para esse gênero. Um jogo que emocionava até na tela do personagem que seria escolhido para lutar contra você (aquele avião viajando de país a país é clássico até hoje).

Hoje em dia o desenho da franquia é rebuscado, bem colorido e os corpos, sobretudo das personagens femininas, são bem acentuados/exagerados. Claro, o mercado hoje é outro, a apelação acaba vendendo um pouco e a cultura do corpo acaba pesando. Tudo mais ágil, e o famoso ‘hadouken’ até ficou frágil perto de outros golpes que surgiram. Os mais velhos jogam para manter viva a história da franquia, os mais novos exaltam exatamente pela modernidade do jogo. Tudo isso reflexo de algo que conhecemos há 25 anos.

Observação: AI é a inteligência artificial do jogo. Ou na linguagem dos gamers, jogar contra a máquina, sem a presença de adversários controlados por outros jogadores humanos.

Uma história mais abrangente sobre o jogo. Detalhes curiosos, outras informações e os consoles que tiveram o jogo lançado. Acesse aqui


 

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