‘The Smiths’ é pura melancolia juvenil capitaneada pela poesia de Morrissey



Algum conhecido de um conhecido de um colega de sala havia achado perdido num ônibus interestadual quatro discos dos The Smiths. Esse colega de sala conseguiu emprestado os discos e gravou em fita K7, na casa de um tio de um outro colega de sala. Infelizmente não pude participar dessa “sessão de gravação”. E qual não foi minha decepção quando esse colega me mostrou o resultado da “sessão de gravação”: uma fita apenas! Quatro álbuns resumidos em uma fita!

As canções gravadas, em sua maior parte, eram da coletânea “World Won’t Listen” e algumas do “Hatful of Hollow” (acho), o que dava uma geral imprecisa na carreira da banda. Apesar disso, fiz uma cópia dessa fita para mim, começando assim meu relacionamento com a música dos Smiths. E essa fitinha rolou muito, mas muito mesmo num saudoso aparelho Sanyo com duplo deck, que era nosso sonho de consumo na época. Ouvi tanto que conhecia a sequência das faixas de cor.

Quando comprei o primeiro álbum da banda, e primeiro deles na minha discografia, já conhecia bastante a música do grupo. Na época havia aparecido não só o “The Smiths” como o “The Queen is Dead”, sendo logo vendido. Mas se o “The Queen is Dead” ainda estivesse à venda, essa seria a escolha. Por que não comprar os dois? Não, não tinha grana para comprar dois discos de vez, caso ambos estivessem disponíveis.

Feliz por essa aquisição, triste por não ter conseguido a outra, corri para casa para ouvir o debut da minha banda preferida de muito tempo, e a sensação foi um tanto frustrante. Onde estava aquela banda de dedilhados vibrantes e refrãos grudentos que tanto havia me fascinado com canções como “Ask”, “Panic”, “London”? Em “This Charming Man, “Still Ill”, “Hand in Glove”, lá no lado B do disco?

O lado A, além de começar com uma canção que me parecia muito longa e arrastada para os padrões da banda, soava por demais melancólica, muito triste, não que as letras de Morrissey fossem alegres, mas havia ficado um tanto “bitolado” com as músicas da minha fita K7. Havia criado uma imagem, e quando isso acontece, leva tempo para se desfazer dela.

Ouvia e ouvia o disco e procurava entender porque esse primeiro álbum de alguma forma destoava daqueles Smiths que havia sido construído em minha mente a partir de uma compilação memorável que ficara armazenada na memória desde a sequência de canções até os refrãos grudentos.

Lembro que um amigo que tinha o “The Queen is Dead” uma vez comentou que “The Queen is Dead” era o melhor disco dos Smiths e cheguei a retrucar, afirmando que esse primeiro disco era melhor, afinal na lista de melhores discos dos anos 80 feita pela Revista Bizz, lá estava este The Smiths e não o “The Queen is Dead”.

Embora na época ambos estivessem puxando a brasa pro seu lado (ele tinha o “The Queen is Dead”), eu sabia que ele estava certo, os Smiths em seu primeiro álbum de alguma forma não conseguia ser (ou soar nesse álbum) tão “empolgante”. E, claro, isso não tinha nada a ver com as letras de Morrissey, que sempre foram surpreendentes, ou com os dedilhados de Johnny Marr, a culpa era da bendita fita K7.

Anos depois viria a descobrir tudo que aconteceu até o lançamento do primeiro álbum, com o descarte das versões gravadas com o produtor Troy Tate (algumas, para mim, melhores que as que saíram na versão oficial) e a regravação das canções com John Porter, sendo essa a definitiva e que chegou às mão dos ouvintes. Vale a busca por essas versões, lançadas sob o nome Troy Tate Sessions.

Cinco das dez faixas que desse primeiro álbum foram tocadas no programa de de John Peel na rádio BBC, sendo compiladas no excelente álbum “Hatful of Hollow”, que também adquiri em vinil. Inclusive gosto mais dessas versões, por mostrar a banda pelo seu lado mais “cru”, mais guitarreiro, com dedilhados mais vibrantes.

No exercício de ouvir o álbum enquanto escrevo o texto, como é costumeiro, a música do The Smiths continua soando muito melancólica, não da mesma forma que antes, pois naquela época era o sentimento de melancolia juvenil, das agruras da pós adolescência. Hoje é a sensação da volta no tempo, das lembranças dos momentos vividos tendo essas canções como trilha sonora no meu antigo quarto nos fundos da casa; de como meu irmão parecia gostar mais do disco do que eu; de como meu pai implicava com os vocais de Morrissey em “Miserable Lie”; e de como “Still Ill” parecia a canção feita para mim.

Por uma infinidade de motivos, esse é outro daqueles álbuns que evito, talvez por isso só agora sua resenha tenha sido feita, pois em termos de história em minha vida está entre os primeiros.


:: FAIXAS:
01. Reel Around The Fountain
02. You’ve Got Everything Now
03. Miserable Lie
04. Pretty Girls Make Graves
05. Hand That Rocks The Cradle
06. This Charming Man
07. Still Ill
08. Hand In Glove
09. What Difference Does It Make?
10. I Don’t Owe You Anything
11. Suffer Little Children

 


 

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