‘Psychocandy’ é a perfeita combinação entre barulho e doçura


Numa tarde de sábado, a cerca de duas décadas atrás, lá estava eu sozinho em casa ouvindo o Psychocandy, sentado no chão da sala e sem fones de ouvido. Sim, porque certos discos só era possível ouvir com fones de ouvido, pois incomodavam demais meus pais e irmãos, inclua nesse rol o Psychocandy, Isn’t Anything (My Bloody Valentine), Bizarro (Wedding Present) e Sister (Sonic Youth), só pra citar os mais barulhentos. Nessa época, tinha muitas fitas K7 e geralmente ouvia em um minisystem Sanyo com dois decks, que pra mim era uma maravilha. Mas esse eu podia levar para o meu quarto, o 3 em 1 não. Voltando, de repente chega meu pai em casa num momento que deveria tá rolando uma das faixas mais barulhentas do álbum, e de cara larga essa:

– Esse disco tá com defeito!
– Tá não, é assim mesmo – respondi.
– Assim mesmo o quê, rapaz, não tá vendo que esse disco tá com defeito? Quem é que vai gravar um disco desse jeito? Pode ser a agulha então.
–Não, o disco é assim mesmo – insisti, e ele saiu achando que eu tava zuando.

Ora, (respondendo a pergunta do meu pai) quem gravaria um disco assim?

Os irmãos Reid, do Jesus and Mary Chain.

E não só gravaram um disco extremamente barulhento como conquistaram público e imprensa ao “dourar a pílula” com vocais adocicados. E com isso fizeram escola, de forma que até hoje são imitados. A lista de bandas que bebeu nas referencias dos irmãos Reid é imensa. Mas meu pai jamais entenderia algo assim, meu pai é do tempo de Lindomar Castilho, Altemar Dutra e Nelson Rodrigues.

A primeira vez que ouvi o álbum foi através de empréstimo (acho), confesso que aquela barulheira me deixou um tanto aturdido (e com os ouvidos apitando).

Salvo engano, foi o primeiro disco barulhento que ouvi (naquela época não imaginava que ouviria em plenos anos 2000 algumas bandas mais barulhentas ainda), e não sei se virou uma espécie de vício, a partir daí uma coleção de álbuns barulhentos viriam fazer parte da minha coleção (além dos citados lá no início).

Não lembro a quem pertencia o vinil que ouvi pela primeira vez, mas lembro que quando comprei o meu exemplar (de praxe na Muzak, que já falei em outros textos dessa seção) foi maravilhoso, fiquei um bocado de tempo só admirando aquela capa sensacional.

Reouvindo o álbum enquanto escrevo, percebo como o som motoserra da banda permanece atual e como minhas faixas preferidas não mudaram: “Just Like Honey”, “The Hardest Walk”, “It’s So Hard”, “Taste of Cindy” e “Inside Me”, embora todo o álbum seja um deleite noise.

Ouvir o disco mais uma vez é também viajar no tempo, para quando os vinis eram parcos e escutava-os quase até furar, para uma época em que eu me metia a fazer projetos eletrônicos e, sem querer, criei um pedal (que era para ser um overdrive), mas que fazia um barulho de fuzz estilo anos 60. O bicho ficava alojado numa saboneteira e fazia um barulho desgraçado, era usado pelo guitarrista da banda que tocava, a ‘Res Non Verba’, mas essa é uma outra conversa.

+++ Leia a crítica de ‘Damage and Joy’, do The Jesus and Mary Chain

Se todo o barulho foi algo que surgiu de forma acidental ou não é outra conversa, a real é que “Psychocandy” é um dos álbuns mais punks da década de 80, totalmente transgressor, totalmente do it yourself, mas como mel. Um clássico.


 

Capa Psychocandy

FAIXAS:
01. Just Like Honey
02. The Living End
03. Taste the Floor
04. The Hardest Walk
05. Cut Dead
06. In a Hole
07. Taste of Cindy
08. Some Candy Talking
09. Never Understand
10. Inside Me
11. Sowing Seeds
12. My Little Underground
13. You Trip Me Up
14. Something’s Wrong
15. It’s So Hard


Previous Álbum de retorno do James, 'Hey Ma' olha para os anos 90 e traz belas surpresas
Next Interpol e o que poderia ter sido e o que é ou, o SE não existe, a repetição da fórmula

No Comment

Leave a reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *